View Colofon
- "Un angelo" translated to IT by Maria Alampi,
- "Een engel" translated to NL by Jan Willem Bos,
- "Un ángel" translated to ES by Corina Oproae,
Um Anjo
– Xiu, olha, lá vem.
Os homens sustêm o fôlego, imobilizados, contra a arcada. Pela sua frente passa uma mulher com uma capa verde, mala, sapatos e luvas de pele de serpente. Os saltos altos transmitem um som agudo e do seu cabelo preso ao alto caem algumas madeixas. O passeio está cheio de gente que vem das compras, e a mulher sobressai, discordante, com o seu luxo fora do comum. Porém, ninguém lhe assobia, até mesmo algumas pessoas lhe dão passagem ao chegar.
– Lá vem ela agora – murmura o homem mais velho, e os dois furam atrás dela.
Seguem-na a uma distância suficientemente grande, misturando-se na multidão, com as suas calças de ganga rotas e uma gabardina. – O que achas?
– Nem sei o que dizer… Onde pensas que vai?
– Não faço ideia. Mas vamos descobrir.
A mulher parou numa bancada e comprou figos secos. Os homens estavam igualmente algumas dezenas de metros atrás e tomam um café. O mais velho tem cerca de trinta e cinco anos, e o outro parece ser uns cinco anos mais novo, ou mesmo mais. Ambos morenos, olhos castanhos, como
que acabados de sair da barbearia.
– Vira-te! – resmunga entre dentes o mais jovem, e ambos se viram de costas para a mulher.
– Será que te viu?!
– Não sei, mas olhou e entrei em pânico!
– Porta-te normalmente, ela não sabe quem somos. É preciso que não se dê conta de que a seguimos.
– Sim, mas…
– Ficamos mais três segundos, depois partimos.
A mulher levava um saco de papel com frutas, o céu começou a escurecer. Pouco tempo depois, começou a pingar. Subitamente, um homem vestido de fato e casaco passa junto da mulher e cobre-a com um enorme chapéu de chuva negro.
– E agora?
– Que fazemos, continuamos?
– Bom, não fazemos nada.
– Mas achas que continuamos a segui-la dia e noite?
– Sim.
A chuva começa a engrossar e os homens põem os carapuços na cabeça.
– Está bem, pá, vamos regressar.
Os homens voltam para trás e, depois de passarem algumas ruelas, entram numa tasca e sentam-se no bar.
– Dois pratos com tudo, um ovo extra e duas canecas!
O dono abana a cabeça em silêncio e desaparece por trás do cortinado. Ouvem-se os Beatles num leitor de cassetes, e nas três mesas os homens de meia-idade molhados pela chuva sorvem a sopa em silêncio. A filha do dono, uma adolescente carrancuda vestida de avental, põe-lhes na frente as duas canecas de cerveja cheias de espuma.
– Sim.
O homem mais jovem suspira. Imaginava que fosse mais fácil. O dono traz-lhes dois pratos fumegantes, cada um com três metades de ovo cozido e marinado.
– Senhor Takashi, sabe quem é Milena Blok?
O dono olhou-o longamente e sacudiu a cabeça descontente. – Até agora, estive para ser preso três vezes – gesticulou – , mas Milena pagou por mim.
– É verdade que todos pagam? – inquiriu o mais velho.
O dono levantou os ombros.
– Quem paga não tem problemas. Se os há, Milena resolve-os. O jovem bebe metade da cerveja e depois pergunta:
– É verdade que matou o marido?
– Se há problemas, Milena resolve-os. – Com um esgar, o patrão afastou-se deixando aqueles dois olhando estupidamente para a sopa, enquanto a massa inchava. A rapariga tornou a encher as canecas sem mais perguntas.
Fora, chovia torrencialmente e as lojas já tinham acendido as luzes de néon. Os dois correram, Adidas molhadas, vociferando palavrões até chegarem a casa.
– Estás a fumar logo agora?
O jovem soprou o fumo do cigarro de contrabando pela janela aberta. O pequeno quarto com uma esteira velha servindo de cobertura parecia queimado pela luz cor-de-rosa do anúncio do hotel do outro lado da rua, a floreira de madeira molhada. Por todo o lado havia caixas de cerveja vazias e embalagens, tendo apenas como mobiliário um pequeno armário, uma mesa com duas cadeiras e colchões enrolados a um canto. – Então, quando queres que eu fume?
– Bem…
O ar fresco entra no quarto e o mais velho senta-se num banco olhando para o vazio.
– Ligamos uma vez mais?
– Assim, sem nada de concreto? Viste como fez da última vez… Ele vai até ao final, vamos deixá-lo em paz. Não percebe com quem se mete. – Ouvi que ontem foi expulso outra vez da sala de jogo.
– Desfaço-o! – gritou o homem mais velho dando um murro na mesa.
– Pois, pá, e o que queres que façamos? Tu não vês que não ouve ninguém?
Lá fora, ouvem-se relâmpagos.
– Metemo-lo na prisão – respondeu o homem mais velho. – Queres meter o nosso pai na prisão? – perguntou o mais novo. – Não por muito tempo. Apenas até que isso passe. Depois volta à razão.
O irmão mais novo franze o sobrolho.
– Não resiste nem um dia sem bebida.
– Pois sim. Desenrasque-se. Roubamos um porta-moedas dum totó, introduzimo-lo no bolso dele e zás, denunciamo-lo, umas curtas férias e resolvemos o problema.
– E pensas que Milena não resolverá também ela o problema?! Os irmãos acabaram os cigarros em silêncio, olhando as sombras dum casal que fazia sexo num hotel em frente.
– Embora trabalhar.
– Vamos.
A alvorada apanhou-os transpirados, frente à porta do armazém, bebendo coca-cola. No céu ainda coberto de nuvens mostravam-se alguns raios de sol alaranjados. O autocarro enferrujado chega e o motorista apita longamente. As pessoas saem do depósito e sobem para o autocarro, empurrando-se. Os irmãos olham um para o outro, e arrastando os pés sobem também eles para o autocarro e seguram-se às barras. Nem um único assento livre. O irmão mais velho estende a mão para a barra, cerrando as sobrancelhas.
Chegados a casa, estendem os colchões no chão e mergulham neles. A janela sem estores enche ainda o quarto de luz, mas poucos minutos depois já roncam. No hotel do outro lado da rua, o casal toma o pequeno almoço no quarto.
– Sim! Ron.
O irmão mais novo dá um pulo, acordado bruscamente pelo som estridente do telemóvel.
– O quê? Como?
Os olhos abrem-se de espanto. Rosna algo ininteligível. Atira o telemóvel para o chão e sacode com força o irmão mais velho, que ainda dorme. Sussurra algo ao seu ouvido e este põe-se em pé de um salto. Ambos retiram tudo do armário e disputam o único par de jeans não roto. Ron é mais rápido, veste-os enquanto o seu irmão põe uma camisa. Os dois lutam, puxando pelas roupas.
Com olheiras e os rostos ainda húmidos e avermelhados, os homens podiam ser vistos fazendo vénias a um velho pedinte coxo, encostado a um muro na estrada principal. Este estende-lhes a mão com algumas notas grandes, retiradas dum bolso interior. De imediato, os homens entram numa loja e saem apetrechados de calças de um tecido barato, cintos de imitação, camisas brancas e gravatas – Ron numa azul com pintas, e o irmão numa com riscas amarelas. De uma sapataria em segunda mão compram dois pares de sapatos já gastos e, sentados numa escadaria, puxam-lhes o lustro com uma caixa de pomada inteira.
– Já está.
– Sim.
– Fazemos as coisas muito devagar.
Os irmãos fumavam ao lado da estátua equestre duma praça central. – Foi a sorte dele. Quando o destino bate à porta não há nada a fazer.
Os olhos de Ron humedeceram.
– Por que diabo tinha de ser assim… Não podia ficar quieto no seu lugar… E tão de repente!
O irmão mais velho bateu-lhe no braço.
– Vem.
Milena dirigiu-se a eles com sapatos, mala e luvas de pele de cobra, outros que não os do dia precedente. Perto dela surge um homem alto com cerca de sessenta anos. Veste um fato de seda de alta-costura e um sobretudo de lã cinzento, um chapéu às risquinhas e sorri alegremente. Tem o cabelo grisalho preso num pequeno rabo de cavalo, anda energicamente enquanto ela se apoia no seu braço.
– Tinha-te dito que tenho os filhos mais lindos do mundo; pois bem, olha!
Os irmãos engoliram em seco. Milena mediu-os com um olhar benevolente.
– O mais velho, Cristof, e o mais novo, Ron – exclamou o homem apontando para eles.
Milena aperta a mão de cada um, a sensação da pele de cobra transmitiu-lhes um arrepio pela espinha.
– Muito prazer em conhecer-vos – disse ela, olhando-os nos olhos, e os irmãos apercebem-se de que ela já os tinha visto no dia anterior. – Milena vai levar-nos à steak house para celebrarmos a boda, pois, no domingo após a missa, iremos para as Caraíbas.
Como presos condenados à forca, os irmãos seguem o pai feliz e a comprometida cobra de passos pequenos, parece que querem fugir mas não têm para onde. As pessoas dão-lhes passagem.
– Não irá suportá-lo nem duas semanas – murmura Ron.
Cristof olha-o sem proferir uma única palavra.
– Pensas que o vai dar aos tubarões nas Caraíbas?
– Sim.
O churrasco está delicioso e há champanhe a rodos. O pai está já com umas cores avermelhadas e os irmãos trocam olhares preocupados. Milena não mostra que o champanhe a tenha afetado realmente. Os irmãos sorvem prudentemente e nada lhes escapa ao olhar.
– Então, pai… – começou Ron – porque não nos contas como se conheceram?
O pai lança-lhe uma gargalhada.
– Uma estória incrível! Olha, estava a cantarolar pela estrada e de repente joguei à roleta e perdi o dinheiro todo! Ah ah ah! Milena encontrou-me lá e pagou por mim, depois levou-me para casa dela. Um anjo! Pagou por mim em todo o lado! Disse para mim mesmo: «Jean, uma mulher como esta não encontras mais no mundo», e imediatamente comprei-lhe um anel e pedi-lhe a mão!
Os irmãos ficaram de queixo caído, mas não puderam comentar porque ela estava ali. Parecia sorrir, mas e se estiver furiosa? – Muito agradável da vossa parte – exclamou o irmão mais velho, mastigando com dificuldade.
– Não faz mal – disse Milena, e pelo tom de voz Cristof percebe claramente que lhe fala para que não se intrometa.
Ron bebe a taça de champanhe de um trago.
– Alguém irá trazer os fatos de casamento no sábado. Eu próprio os escolhi! Tudo será soberbo! Com a vossa mãe não tive dinheiro para a boda, mas na vida nada é tarde de mais! – exclama o pai passando o braço sobre o ombro de Milena. – Com o meu anjo serei finalmente feliz! E irei fazê-la a mulher mais feliz do mundo!
– Oh, Ilya… – Milena parecia mais doce. Talvez sejam as palavras do pai, talvez as duas garrafas de champanhe que bebera sozinha. Talvez o mime, ou talvez tenha esquecido o nome dele.
Cristof bate com os pés a Ron por baixo da mesa.
– Assim mesmo, pai, à vossa! – diz Ron e levantou o copo. Todos brindam com ele e esvaziam os copos. Ninguém quis o bolo de chocolate que os empregados trouxeram, com exceção de Jean, que devorou as decorações.
Frente à sua porta está uma mulher de uns trinta anos com dois cabides com os fraques numa mão, e um saco de papel na outra. Cabelos curtos, mãos musculosas cobertas de tatuagens, veste umas calças de pele e olha-os carrancuda.
– Vocês são Ron e Cristof?
Ron acena com a cabeça, ensonado. É sábado de manhã e os dois irmãos beberam até esquecerem a sua desgraça da noite anterior. – Então isto é para vocês – disse ela, dá-lhe os pacotes e em seguida entra no quarto.
Ron acorda Cristof e ambos olham receosos para aquela que lhes invadiu o espaço. A mulher senta-se num banco e acende um cigarro. Parece que quer falar, mas renuncia no último instante.
– Queres café? – pergunta Cristof a medo. A mulher acena com a cabeça. Ron afasta-se rapidamente e volta com uma cafeteira cheia. Depois ouvem-se gritos numa língua asiática. Ron enche duas chávenas já lascadas.
– Eu sou Mașa. O vosso velho vai casar-se com a minha mãe. Os irmãos olham-se em pânico.
– Nós dissemos-lhe para desistir, que não está ao seu nível! – Espero que saibas que nós não estivemos de acordo desde o princípio!
– Juro por tudo que ele não é um escroque, não é pelo dinheiro, ele é assim, um cretino!
Mașa olha-os perplexa. Apaga o cigarro abanando a cabeça. – Eu queria pedir… por favor… – disse ela baixando o olhar para o chão – , agarrem-no para que não fuja. Todos fogem num ápice. Ficámos estupidificados por ter aparecido um suficientemente louco para lhe pedir a mão. Ela também já não vai para nova.
Os irmãos cruzam longamente os olhares, depois os sorrisos inundam-lhes os rostos.
– Pois se assim é, não se preocupe, irmãzinha! Deste não escapa nem morta!
– Se fugir pela porta, entra pela janela! – sorri Ron.
– Ele é como uma sanguessuga com as mulheres! Se lhe dão um pouco de atenção, já não as larga!
Mașa está com os olhos marejados de lágrimas.
– Pensava que este dia nunca chegaria! Vê-la finalmente feliz! Desde que empurrou o meu pai pela varanda, nada mais foi como dantes! Os sorrisos dos irmãos congelaram-se-lhes na cara.
– Empurrado pela varanda?
Mașa olhou-os, comprometida.
– Ah… foi um acidente. – Pousa a chávena e levanta-se. – Vemo nos amanhã às nove – exclama ela e desaparece.
Os homens bebem café da mesma chávena, fumando em silêncio. No hotel da frente, os cortinados estão corridos e não se vê nenhum movimento.
– Será que depois do casamento nos deixarão ficar com estes fatos? – Claro.