Published Texts


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Diário de Bordo de Um Último Dia

I suppose, I said, it is one definition of love,  the belief in something that only the two of you can see. Rachel Cusk, Outline Pela enésima vez, proíbe-me de retirar o mapa da ilha da minha mochila. «Assim, parece que somos turistas», diz ela.  «Mas nós somos turistas, ou não?», pergunto eu.  Ela não dá resposta, mas fica a olhar para o ecrã do telemóvel com as  sobrancelhas franzidas.  Uma pessoa tinha-lhe recomendado uma aplicação através da qual  era possível descarregar mapas de uma área específica, para poderem ser  usados offline. Pelo facto de nos guiarmos pela seta verde no ecrã de...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Lotte Lentes

Mesmo Que apenas Uma só Gota Possa Ser Vista

The white cracker who wrote the national anthem knew what he was doing. He set the world “free” to a note so high nobody can reach it. That was deliberate. Angels in America,   Tony Kushner O meu pai e eu íamos a caminho do aeroporto. Eu ia passar um mês aos  Estados Unidos e ele fazia questão de se despedir de mim lá.  Ia a Charleston, uma pequena cidade no litoral da Carolina do Sul.  O meu pai perguntou-me como é que a cidade era, e eu apercebi-me,  nessa altura, de que não tinha ido à procura de quaisquer imagens no  Google. A única coisa que sabia é que tinha havido um tiroteio na cave ...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit

Os Meninos Escritores

Quase tudo o que aconteceu nesse dia passa-se aqui. Estou com o indicador  apontado à cabeça. Muitos anos depois, enquanto levo o meu filho a  descobrir o gelo, ainda recordo todos os acontecimentos daquele único dia  como «o fuzilamento».  Ninguém morreu. As pessoas eram perigosas, especialmente as  crianças pequenas, penduradas nas árvores. Os pés a balançar — e era da  língua no meio da boca que viriam os piores crimes.   Ouvir dói, caminhar é um truque. Caminhemos.   Mesmo os pequenos ditadores envelhecem. Os filhos coabitam a  terra com os pais, há milhões, talvez milhares de anos. Imagin...
Written in PT by José Gardeazabal

Árvore Monstro Menino Árvore

Ainda não sabemos como Óscar comeu a semente, nem descobrimos de  onde a tirou. Temos ainda menos respostas para percebermos como pôde a  árvore crescer-lhe por dentro, germinar a semente sem qualquer  impedimento, disse o médico, na boca do seu estômago, regada somente  pelos sucos biliares do menino. É que aos sete anos, também nos disse o médico, os estômagos funcionam muito bem. O corpo do nosso Óscar —  ainda era o nosso Óscar então — permitiu que a árvore crescesse, que as  raízes se estendessem pelos intestinos e que o tronco se fosse distendendo  esguio, cerimonioso, ao longo do esófag...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres

Bárbaros no Império Romano

Porque caiu o Império Romano? Esta pergunta atormentou a civilização  europeia em toda a sua história, a par (de modo por vezes explícito, por  vezes subentendido) com a reflexão sobre as consequências que aquele  acontecimento longínquo tem no presente. Impressionados pelas ruínas  monumentais de Roma e instruídos sobre a sua herança imaterial, olhámos  com admiração as suas conquistas económicas, tecnológicas e culturais: e  perguntámo-nos qual teria sido a evolução da civilização ocidental se a  queda do Império não tivesse modificado as condições individuais de vida  e redimensionado drast...
Translated from IT to PT by Ana Cristino
Written in IT by Fabio Guidetti

Parêntesis

      Suponho que nem o que temos de mais fiável - os sentidos, isto é, o que vemos, ouvimos, aquilo de que nos apercebemos com o corpo - é fiável em situações como a morte de um pai, o nascimento de um filho ou estar prestes a  morrer atropelado. Agora, que já enterrámos o papá, e estou por fim sozinho com os meus pensamentos, constato que ontem, no tanatório, tal como há trinta anos atrás, o tempo parou.  Por uns segundos, sim. Mas aconteceu outra vez. E soube, imediatamente, que se tratava do mesmo fenómeno que vivi em criança.        Naquela noite também estava com o papá.        Aconteceu...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres

Uma declaração de dependendência

Recentemente, cruzei-me num churrasco com uma pessoa que tinha  acabado de ter um bebé. O churrasco era a primeira atividade fora de casa  pós-parto. Com o bebé nos braços, confessou o quão dependente se tinha  tornado. Esta palavra fazia-lhe surgir uma expressão de deceção na face, e  contava isto como se de uma confissão se tratasse.  Ela parecia considerar a dependência como uma forma de fracasso. Tal como todos nós, julgo eu.  A dependência é, normalmente, associada a algo fraco e pouco atraente,  quase feio. A independência, por sua vez, é vista como algo forte e atraente,  o objetivo a a...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit

A ponte

Todas as estações de comboio têm um relógio. Na verdade, têm mais do  que um. Em cima da bilheteira fica o principal. Depois, na gare de  embarque, estão os mais pequenos. Os úteis, pois são cúmplices da nossa  preguiça em tirar o telemóvel do bolso ou consultar o relógio de pulso.   As crianças ficam fascinadas por estes relógios. Como o ponteiro  dos segundos roda sem parar, acaba por ser o único momento em que  conseguem ver o tempo a passar. Olham o ponteiro a subir e, à medida que  se verticaliza, os seus coraçõezinhos batem mais depressa e os olhos  esbugalham-se. Quando, por fim, o indi...
Written in PT by João Valente

Para não Te Ver

Já sabes que levei os miúdos, as roupas, as coisas do banho, a comida  biológica dividida em pequenas porções dentro de tupperwares de cores  berrantes como as da Benetton, levei também os livros deles, porque de  noite é só pela leitura que consigo convocar o sono do Rogério, e não raras  vezes ele acorda horas depois com um pesadelo a esganar-lhe a maçã-de adão, e eu abraço-o, como te abraçava, Rita, quando fazíamos um ninho  tão perfeito que quem nos visse de cima poderia facilmente confundir-nos  com um daqueles símbolos chineses a preto-e-branco onde se vêem  explicados a imortalidade e o...
Written in PT by Valério Romão

Um Anjo

– Xiu, olha, lá vem.  Os homens sustêm o fôlego, imobilizados, contra a arcada. Pela sua  frente passa uma mulher com uma capa verde, mala, sapatos e luvas de pele  de serpente. Os saltos altos transmitem um som agudo e do seu cabelo  preso ao alto caem algumas madeixas. O passeio está cheio de gente que  vem das compras, e a mulher sobressai, discordante, com o seu luxo fora do  comum. Porém, ninguém lhe assobia, até mesmo algumas pessoas lhe dão  passagem ao chegar.  – Lá vem ela agora – murmura o homem mais velho, e os dois  furam atrás dela.  Seguem-na a uma distância suficientemente grand...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Anna Kalimar

Perguntem ao Relâmpago

Não era a minha intenção causar um burburinho. Mas de repente assim  foi. Falei na escola sobre o acidente de viação e uma coisa levou à outra. Estava pela ponta dos cabelos com os exames, de maneira que nunca  conseguia acordar a horas, embora me propusesse sempre na véspera de  cada prova a folhear atentamente tudo aquilo que ainda não tinha  aprendido. Depois do bipe irritante do despertador da minha mãe, que  tinha de estar bem mais cedo no emprego, voltava sempre a cair num sono  profundo, tão profundo que mal ouvia o meu próprio alarme. O meu pai  vinha-me então tirar do ninho mesmo a te...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Carmien Michels

O Comunismo Visto por Criancinhas

Tenho quatro anos e nunca subi mais além do primeiro andar. Estou  convencido de que a serpente azul do corrimão é infindável, que ela sobe,  sobe e sobe, rebenta o teto de alcatrão do nosso prédio e avança invisível até  ao céu. É um pensamento que não partilho com ninguém. O meu medo  aquece-se na chama deste pensamento.  As pessoas descem dos andares superiores, lá do céu, por vezes falam  entre elas em surdina e não oiço o que dizem. Mas nunca há um silêncio  combinado entre elas. Nunca há silêncio. Os murmúrios flutuam de uma  para outra. São como algumas abelhas ou talvez como algumas mo...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun

O tempo é um circo

De madrugada, sonhou com um crime cometido sob uma amendoeira e quatro bilhetes de lotaria, todos sem prémio. Era domingo. No sonho, o jovem médico chorou e despertou com as bochechas húmidas, abraçado por uma tristeza púrpura. Come sem apetite, veste-se de luto e espera pelo telefonema que deveria confirmar quem morreu nessa noite. O seu avô nascera perto do início do século XX num mundo demasiado longínquo para que as pessoas tivessem mantido algumas fotografias dele. O pai do seu avô tinha falecido trinta anos antes do jovem médico nascer. Ele vinha de um tempo ainda mais antigo, quando os ...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun

Hidra

— Nada como a nossa casa — diz ele e, um a um, tira os anéis. Ivanka caminha até ao centro da cabina e fica parada. Ainda esperará um  pouco. Observa-o a mover-se junto à cama, mais rápido, para que a luz ver melha suavize a sua corpulência e a sua respiração se deixe ir rumo ao som  do oceano. Aliás, já orquestrou a maneira minuciosa de ir examinando o  quarto até criar pequenas ilhas de si mesmo. Descalçou-se rapidamente. O  casaco cai mole sobre o bengaleiro. Os botões de punho dourados e o laço  vão para a mesinha de cabeceira. Que atencioso. Estas gentilezas rodei am-na.  — Que alívio liv...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Matías Candeira

Chiclete Blues

23,40 euros. É esse o montante que figura, em algarismos verde-alface, na  registadora do guiché. Umas mãos pálidas e enrugadas colocam  cautelosamente, uma por uma, as moedas amarelas e castanhas na gaveta  do dinheiro, ao lado de uma nota de vinte euros. Logo a seguir, as mãos  fecham a pequena carteira em pele, ao mesmo tempo que uma voz  condicente de senhora emite sons apaziguadores.  — Calma, também te vão dar um bilhete — cochicha a senhora ao  seu cão, que, tal como ela, permanece fora do alcance do nosso olhar. Quando a gaveta se volta a abrir, as moedas desapareceram e, no  lugar del...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Carmien Michels

Não Deem Comida aos Macacos

Luz estava há mais de meia hora à espera ao sol. De vez em quando,  percorria o passeio de um extremo a outro para desentorpecer as pernas e  aliviar o peso da barriga. Os seus olhos moviam-se com rapidez entre os  carros que circulavam pela avenida, especialmente quando se ouvia uma  aceleradela. Mas nada.        Decidiu refugiar-se do calor debaixo do beiral do edifício. Foi  então quando, de trás de um autocarro, apareceu ziguezagueando o  pequeno carro vermelho. Luz viu como Jaime travava bruscamente e se  punha a tocar a buzina repetidas vezes, como se estivesse há muito tempo  à sua espe...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Roberto Osa

O Sol quando Cai

I  Na manhã de 11 de julho de 1978, parte em direção a Barcelona um camião  com um carregamento de propeno líquido. O camião vem de uma  pequena cidade na Catalunha e é conduzido por um motorista que, no  meio da sua cara brilhante, usa um grosso bigode. Já trabalha há vinte anos  para a mesma empresa, com o mesmo camião, e conhece a rede rodoviária  de Espanha de cor. Para evitar portagens, escolhe sempre as estradas  interiores.  As botijas de gás não foram feitas para ficar muito tempo ao sol, e uma  enorme cisterna com vinte e cinco toneladas de propeno, apesar de só  poder conter dezano...
Translated from NL to PT by Xénon Cruz
Written in NL by Joost Oomen

Portasar Nenhum Instante

Lucas corre tão lesto ali que as novas imagens não chegam a substituir as  mais antigas em tempo útil. O vento sopra silenciosa e eficazmente, mínimas fricções. Os pomares estão rodeados pela floresta e nela, através  do procedimento do caminhar, Lucas deparou-se com uma tília muito alta,  folhas esbranquiçadas por trás, com um enorme buraco na base. Dentro havia areia seca e uma cama onde se pode dormir quando chove e uma taça.  Ali nunca lhe faltavam números para adicionar, multiplicar e dividir,  finalmente podia recuperar os números originais do resultado e fazer outra  coisa com eles como...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Cătălin Pavel

O metro

Na segunda-feira de manhã ouvi o metro chegar à estação no momento em que introduzia o bilhete na máquina e, embora ainda não estivesse atrasado e mesmo que estivesse, não havia problema, embora estivesse abraçado pelo desejo absoluto de apanhar aquele metro, um desejo não tanto como uma vontade, mas como um anseio bizarro de vingança, lançou-se pelas escadas abaixo. Aconteceu algo muito curioso. Assim como se diz que quando se morre, toda a vida te passa pela frente dos olhos, naqueles breves segundos de que precisou T. para saltar os degraus, toda a sua vida lhe passou pela mente a uma veloc...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Cătălin Pavel

Como nos tornaremos menos

1. Na sua sala de estar, encontra-se pendurado, para além de um calendário, a conta de um restaurante onde tinham decidido ficar juntos e algumas fotografias, uma lista de todos os animais e plantas que se encontram em risco de extinção: 3.079 e 2.655, respetivamente. Ela já tinha esta lista desde os seus treze anos, e, por ausência de autocolantes, tinha colocado pensos junto aos animais que desejava ver. Ele pensou que se tratasse de uma lembrança da infância dela e nunca tinha considerado a possibilidade de irem à procura de animais e plantas em risco de extinção. Quando um novo animal entr...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit