Published Texts
Welcome to our publication platform! You can browse and search for stories and samples from all our writers. Thanks to our translators, each story is available in Czech, Dutch, Italian, Polish, Portuguese, Romanian, Serbian, Slovene and Spanish. Throughout the years, this platform is becoming a growing archive of European literature by the future generation of literary artists. We're sharing stories beyond barriers.
Diário de Bordo de Um Último Dia
I suppose, I said, it is one definition of love,
the belief in something that only the two of you can see.
Rachel Cusk, Outline
Pela enésima vez, proíbe-me de retirar o mapa da ilha da minha mochila. «Assim, parece que somos turistas», diz ela.
«Mas nós somos turistas, ou não?», pergunto eu.
Ela não dá resposta, mas fica a olhar para o ecrã do telemóvel com as sobrancelhas franzidas.
Uma pessoa tinha-lhe recomendado uma aplicação através da qual era possível descarregar mapas de uma área específica, para poderem ser usados offline. Pelo facto de nos guiarmos pela seta verde no ecrã de...
Translated from
NL
to
PT
by Pedro Viegas
Written in NL by Lotte Lentes
Mesmo Que apenas Uma só Gota Possa Ser Vista
The white cracker who wrote the national anthem knew what he was doing. He set the world “free” to a note so high nobody can reach it. That was deliberate. Angels in America,
Tony Kushner
O meu pai e eu íamos a caminho do aeroporto. Eu ia passar um mês aos Estados Unidos e ele fazia questão de se despedir de mim lá. Ia a Charleston, uma pequena cidade no litoral da Carolina do Sul. O meu pai perguntou-me como é que a cidade era, e eu apercebi-me, nessa altura, de que não tinha ido à procura de quaisquer imagens no Google. A única coisa que sabia é que tinha havido um tiroteio na cave ...
Translated from
NL
to
PT
by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit
Os Meninos Escritores
Quase tudo o que aconteceu nesse dia passa-se aqui. Estou com o indicador apontado à cabeça. Muitos anos depois, enquanto levo o meu filho a descobrir o gelo, ainda recordo todos os acontecimentos daquele único dia como «o fuzilamento».
Ninguém morreu. As pessoas eram perigosas, especialmente as crianças pequenas, penduradas nas árvores. Os pés a balançar — e era da língua no meio da boca que viriam os piores crimes.
Ouvir dói, caminhar é um truque. Caminhemos.
Mesmo os pequenos ditadores envelhecem. Os filhos coabitam a terra com os pais, há milhões, talvez milhares de anos. Imagin...
Written in PT by José Gardeazabal
Árvore Monstro Menino Árvore
Ainda não sabemos como Óscar comeu a semente, nem descobrimos de onde a tirou. Temos ainda menos respostas para percebermos como pôde a árvore crescer-lhe por dentro, germinar a semente sem qualquer impedimento, disse o médico, na boca do seu estômago, regada somente pelos sucos biliares do menino. É que aos sete anos, também nos disse o médico, os estômagos funcionam muito bem. O corpo do nosso Óscar — ainda era o nosso Óscar então — permitiu que a árvore crescesse, que as raízes se estendessem pelos intestinos e que o tronco se fosse distendendo esguio, cerimonioso, ao longo do esófag...
Translated from
ES
to
PT
by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres
Bárbaros no Império Romano
Porque caiu o Império Romano? Esta pergunta atormentou a civilização europeia em toda a sua história, a par (de modo por vezes explícito, por vezes subentendido) com a reflexão sobre as consequências que aquele acontecimento longínquo tem no presente. Impressionados pelas ruínas monumentais de Roma e instruídos sobre a sua herança imaterial, olhámos com admiração as suas conquistas económicas, tecnológicas e culturais: e perguntámo-nos qual teria sido a evolução da civilização ocidental se a queda do Império não tivesse modificado as condições individuais de vida e redimensionado drast...
Translated from
IT
to
PT
by Ana Cristino
Written in IT by Fabio Guidetti
Parêntesis
Suponho que nem o que temos de mais fiável - os sentidos, isto é, o que vemos, ouvimos, aquilo de que nos apercebemos com o corpo - é fiável em situações como a morte de um pai, o nascimento de um filho ou estar prestes a morrer atropelado. Agora, que já enterrámos o papá, e estou por fim sozinho com os meus pensamentos, constato que ontem, no tanatório, tal como há trinta anos atrás, o tempo parou. Por uns segundos, sim. Mas aconteceu outra vez. E soube, imediatamente, que se tratava do mesmo fenómeno que vivi em criança.
Naquela noite também estava com o papá.
Aconteceu...
Translated from
ES
to
PT
by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres
Uma declaração de dependendência
Recentemente, cruzei-me num churrasco com uma pessoa que tinha acabado de ter um bebé. O churrasco era a primeira atividade fora de casa pós-parto. Com o bebé nos braços, confessou o quão dependente se tinha tornado. Esta palavra fazia-lhe surgir uma expressão de deceção na face, e contava isto como se de uma confissão se tratasse.
Ela parecia considerar a dependência como uma forma de fracasso. Tal como todos nós, julgo eu.
A dependência é, normalmente, associada a algo fraco e pouco atraente, quase feio. A independência, por sua vez, é vista como algo forte e atraente, o objetivo a a...
Translated from
NL
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PT
by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit
A ponte
Todas as estações de comboio têm um relógio. Na verdade, têm mais do que um. Em cima da bilheteira fica o principal. Depois, na gare de embarque, estão os mais pequenos. Os úteis, pois são cúmplices da nossa preguiça em tirar o telemóvel do bolso ou consultar o relógio de pulso.
As crianças ficam fascinadas por estes relógios. Como o ponteiro dos segundos roda sem parar, acaba por ser o único momento em que conseguem ver o tempo a passar. Olham o ponteiro a subir e, à medida que se verticaliza, os seus coraçõezinhos batem mais depressa e os olhos esbugalham-se. Quando, por fim, o indi...
Written in PT by João Valente
Para não Te Ver
Já sabes que levei os miúdos, as roupas, as coisas do banho, a comida biológica dividida em pequenas porções dentro de tupperwares de cores berrantes como as da Benetton, levei também os livros deles, porque de noite é só pela leitura que consigo convocar o sono do Rogério, e não raras vezes ele acorda horas depois com um pesadelo a esganar-lhe a maçã-de adão, e eu abraço-o, como te abraçava, Rita, quando fazíamos um ninho tão perfeito que quem nos visse de cima poderia facilmente confundir-nos com um daqueles símbolos chineses a preto-e-branco onde se vêem explicados a imortalidade e o...
Written in PT by Valério Romão
Um Anjo
– Xiu, olha, lá vem.
Os homens sustêm o fôlego, imobilizados, contra a arcada. Pela sua frente passa uma mulher com uma capa verde, mala, sapatos e luvas de pele de serpente. Os saltos altos transmitem um som agudo e do seu cabelo preso ao alto caem algumas madeixas. O passeio está cheio de gente que vem das compras, e a mulher sobressai, discordante, com o seu luxo fora do comum. Porém, ninguém lhe assobia, até mesmo algumas pessoas lhe dão passagem ao chegar.
– Lá vem ela agora – murmura o homem mais velho, e os dois furam atrás dela.
Seguem-na a uma distância suficientemente grand...
Translated from
RO
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PT
by Simion Doru Cristea
Written in RO by Anna Kalimar
Perguntem ao Relâmpago
Não era a minha intenção causar um burburinho. Mas de repente assim foi. Falei na escola sobre o acidente de viação e uma coisa levou à outra. Estava pela ponta dos cabelos com os exames, de maneira que nunca conseguia acordar a horas, embora me propusesse sempre na véspera de cada prova a folhear atentamente tudo aquilo que ainda não tinha aprendido. Depois do bipe irritante do despertador da minha mãe, que tinha de estar bem mais cedo no emprego, voltava sempre a cair num sono profundo, tão profundo que mal ouvia o meu próprio alarme. O meu pai vinha-me então tirar do ninho mesmo a te...
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NL
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PT
by Xénon Cruz
Written in NL by Carmien Michels
O Comunismo Visto por Criancinhas
Tenho quatro anos e nunca subi mais além do primeiro andar. Estou convencido de que a serpente azul do corrimão é infindável, que ela sobe, sobe e sobe, rebenta o teto de alcatrão do nosso prédio e avança invisível até ao céu. É um pensamento que não partilho com ninguém. O meu medo aquece-se na chama deste pensamento.
As pessoas descem dos andares superiores, lá do céu, por vezes falam entre elas em surdina e não oiço o que dizem. Mas nunca há um silêncio combinado entre elas. Nunca há silêncio. Os murmúrios flutuam de uma para outra. São como algumas abelhas ou talvez como algumas mo...
Translated from
RO
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PT
by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun
O tempo é um circo
De madrugada, sonhou com um crime cometido sob uma amendoeira e quatro bilhetes de lotaria, todos sem prémio. Era domingo.
No sonho, o jovem médico chorou e despertou com as bochechas húmidas, abraçado por uma tristeza púrpura. Come sem apetite, veste-se de luto e espera pelo telefonema que deveria confirmar quem morreu nessa noite.
O seu avô nascera perto do início do século XX num mundo demasiado longínquo para que as pessoas tivessem mantido algumas fotografias dele.
O pai do seu avô tinha falecido trinta anos antes do jovem médico nascer. Ele vinha de um tempo ainda mais antigo, quando os ...
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RO
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PT
by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun
Hidra
— Nada como a nossa casa — diz ele e, um a um, tira os anéis. Ivanka caminha até ao centro da cabina e fica parada. Ainda esperará um pouco. Observa-o a mover-se junto à cama, mais rápido, para que a luz ver melha suavize a sua corpulência e a sua respiração se deixe ir rumo ao som do oceano. Aliás, já orquestrou a maneira minuciosa de ir examinando o quarto até criar pequenas ilhas de si mesmo. Descalçou-se rapidamente. O casaco cai mole sobre o bengaleiro. Os botões de punho dourados e o laço vão para a mesinha de cabeceira. Que atencioso. Estas gentilezas rodei am-na.
— Que alívio liv...
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ES
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PT
by Matias Gomes
Written in ES by Matías Candeira
Chiclete Blues
23,40 euros. É esse o montante que figura, em algarismos verde-alface, na registadora do guiché. Umas mãos pálidas e enrugadas colocam cautelosamente, uma por uma, as moedas amarelas e castanhas na gaveta do dinheiro, ao lado de uma nota de vinte euros. Logo a seguir, as mãos fecham a pequena carteira em pele, ao mesmo tempo que uma voz condicente de senhora emite sons apaziguadores.
— Calma, também te vão dar um bilhete — cochicha a senhora ao seu cão, que, tal como ela, permanece fora do alcance do nosso olhar. Quando a gaveta se volta a abrir, as moedas desapareceram e, no lugar del...
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NL
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PT
by Xénon Cruz
Written in NL by Carmien Michels
Não Deem Comida aos Macacos
Luz estava há mais de meia hora à espera ao sol. De vez em quando, percorria o passeio de um extremo a outro para desentorpecer as pernas e aliviar o peso da barriga. Os seus olhos moviam-se com rapidez entre os carros que circulavam pela avenida, especialmente quando se ouvia uma aceleradela. Mas nada.
Decidiu refugiar-se do calor debaixo do beiral do edifício. Foi então quando, de trás de um autocarro, apareceu ziguezagueando o pequeno carro vermelho. Luz viu como Jaime travava bruscamente e se punha a tocar a buzina repetidas vezes, como se estivesse há muito tempo à sua espe...
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ES
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PT
by Matias Gomes
Written in ES by Roberto Osa
O Sol quando Cai
I
Na manhã de 11 de julho de 1978, parte em direção a Barcelona um camião com um carregamento de propeno líquido. O camião vem de uma pequena cidade na Catalunha e é conduzido por um motorista que, no meio da sua cara brilhante, usa um grosso bigode. Já trabalha há vinte anos para a mesma empresa, com o mesmo camião, e conhece a rede rodoviária de Espanha de cor. Para evitar portagens, escolhe sempre as estradas interiores.
As botijas de gás não foram feitas para ficar muito tempo ao sol, e uma enorme cisterna com vinte e cinco toneladas de propeno, apesar de só poder conter dezano...
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NL
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PT
by Xénon Cruz
Written in NL by Joost Oomen
Portasar Nenhum Instante
Lucas corre tão lesto ali que as novas imagens não chegam a substituir as mais antigas em tempo útil. O vento sopra silenciosa e eficazmente, mínimas fricções. Os pomares estão rodeados pela floresta e nela, através do procedimento do caminhar, Lucas deparou-se com uma tília muito alta, folhas esbranquiçadas por trás, com um enorme buraco na base. Dentro havia areia seca e uma cama onde se pode dormir quando chove e uma taça. Ali nunca lhe faltavam números para adicionar, multiplicar e dividir, finalmente podia recuperar os números originais do resultado e fazer outra coisa com eles como...
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RO
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PT
by Simion Doru Cristea
Written in RO by Cătălin Pavel
O metro
Na segunda-feira de manhã ouvi o metro chegar à estação no momento em que introduzia o bilhete na máquina e, embora ainda não estivesse atrasado e mesmo que estivesse, não havia problema, embora estivesse abraçado pelo desejo absoluto de apanhar aquele metro, um desejo não tanto como uma vontade, mas como um anseio bizarro de vingança, lançou-se pelas escadas abaixo. Aconteceu algo muito curioso. Assim como se diz que quando se morre, toda a vida te passa pela frente dos olhos, naqueles breves segundos de que precisou T. para saltar os degraus, toda a sua vida lhe passou pela mente a uma veloc...
Translated from
RO
to
PT
by Simion Doru Cristea
Written in RO by Cătălin Pavel
Como nos tornaremos menos
1.
Na sua sala de estar, encontra-se pendurado, para além de um calendário, a conta de um restaurante onde tinham decidido ficar juntos e algumas fotografias, uma lista de todos os animais e plantas que se encontram em risco de extinção: 3.079 e 2.655, respetivamente. Ela já tinha esta lista desde os seus treze anos, e, por ausência de autocolantes, tinha colocado pensos junto aos animais que desejava ver.
Ele pensou que se tratasse de uma lembrança da infância dela e nunca tinha considerado a possibilidade de irem à procura de animais e plantas em risco de extinção.
Quando um novo animal entr...
Translated from
NL
to
PT
by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit