Published Texts


Welcome to our publication platform! You can browse and search for stories and samples from all our writers. Thanks to our translators, each story is available in Czech, Dutch, Italian, Polish, Portuguese, Romanian, Serbian, Slovene and Spanish. Throughout the years, this platform is becoming a growing archive of European literature by the future generation of literary artists. We're sharing stories beyond barriers.

Estação de tratamento

Vagueava defronte de um aglomerado de dormitórios do estaleiro, esfregando as suas mãos frias. Ao longe, dois corvos-marinhos cintilavam por cima do rio. Pouco depois, ela começou a olhar em todas as direções e a verificar a mensagem de texto que chegara ontem. “Olá Petra, ação ETAR amanhã às oito. Encontro frente à ponte junto do aglomerado. A.” Ela leu-o mais três vezes antes de a luz do visor se apagar. A antiga e a nova estação de tratamento que partilhavam os resíduos vindos de toda a cidade ficavam uma atrás da outra na ilha, tal como governadores do rio. Enquanto a mais antiga se ergui...
Translated from CZ to PT by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Anna Háblová

Ortensio

Ele pensa que o mundo é feito de linhas. Não são paralelas, não lhe  importa onde vão encontrar-se. Importa o espaço que as separa, aquilo que  o preenche, o que nasce e o que morre no tempo que as contém, imutáveis  e imaginárias, na solidão de quem as observa.  É uma linha o horizonte que divide o céu do golfo de Santa  Eufémia. Muitas vezes, se o pôr do Sol é límpido, o Stromboli parece mais  próximo. Surge como uma pirâmide quase negra, do cume nasce um ténue  fumo cinzento que Ortensio distingue a custo. É uma linha, aquela  formada pelos seixos que, na margem, antecedem a linha de rebent...
Translated from IT to PT by Ana Cristino
Written in IT by Maurizio Amendola

Outra Cidade

Outra cidade Amesterdão no limiar do outono era colorida e caprichosa. O sol alternava-se com a chuva, e isso repetia-se uma e outra vez tal como Ave-Marias num rosário. Encontrava-me debaixo da ponte, esperando até que um dos breves aguaceiros parasse. Tinha planeado uma viagem de bicicleta pelos arredores de Amesterdão. Quis ver aqueles famosos pólderes - canais de água que cruzam os prados verdejantes dominados por moinhos de vento que esticam os seus braços, feito uns espantalhos no campo. Era suposto ser a minha primeira viagem na nova cidade. A primeira experiência que de alguma forma i...
Translated from CZ to PT by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Anna Háblová

O Marcador

      Primeiro, Robert fica sozinho no sofá, à esquerda da mancha que há uns meses Sven fez com um marcador vermelho. Ele pergunta como é que estou, se as farmácias e as lojas estão abertas, se tenho tudo o que preciso, o que é que vou fazer se acontecer alguma coisa. Estou bem, estão abertas, tenho tudo, não se vai passar nada. Todos os dias ele pergunta as mesmas coisas, todos os dias eu respondo-lhe o mesmo. Aqui nada acontece depois das cinco da tarde. Queria também acrescentar: O propósito do confinamento é que não se passe nada - mas não o disse, seria imprudente da minha parte. Então Ro...
Translated from SR to PT by Ilija Stevanovski
Written in SR by Jasna Dimitrijević

Residence

Apartamento 11  O MENINO  Aquele menino, olhai bem para ele.  Todos os verões, aquele menino tem mais um ano.  Todos os verões, o castanho dos seus cabelos é aclarado pelo sol num  vermelho ténue, de reflexos claros. Todos os verões, de manhã, enche os  pneus da sua BMX e pedala dentro da Residence, ao longo do muro de  pedra atrás do qual se esconde e espia os da sua idade escoicear uma bola no  campo de terra batida. Gritam palavrões de todo o tipo. Palavrões que o menino nunca disse.  A Residence é composta por dois pequenos edifícios de três pisos,  idênticos. Um o reflexo do outro. A div...
Translated from IT to PT by Ana Cristino
Written in IT by Maurizio Amendola

A Alameda do Amanhecer

Cada homem goza de direitos, porém estes direitos são divinos, e não pode  ser de outro modo, numa última frase, não é obrigatório que esta frase seja  longa nem semelhante a um bilhete de despedida, o que conta é que seja  verdadeira, com uma verdade que a preencha, mesmo que seja a última,  porque a verdade tem o hábito de ser caprichosa, o que não significa que  não exista, existe seguramente e deve ser revelada, mas não num conto, o  conto contém a sua verdade intrínseca, não a mesma da verdade verdadeira  nem menos, mas esta frase é minha por direito para uma história e segui-a  até ao fi...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Andrei Crăciun

Eu não era, mas agora sou. Sensível a qualquer mudança do tempo.

Lá do outro lado do canal levávamos na cara com o vento carregado de flocos de neve, mas depois de atravessar a ponte, já nesta margem, fica-se de costas ao vento, o que torna o processo todo um pouco mais agradável. Desta nova posição a paisagem pode ser contemplada com menos esforço, sem fechar os olhos. O canal ainda não está completamente congelado mas não tarda e o gelo fecha e cobre tudo, é questão de poucos dias. Não há nada a fazer. À primeira parecia ser uma miragem, mas logo se confirmou que havia lá, no meio do canal, um cisne a tentar passar abrindo sempre um caminho na superfície ...
Translated from SR to PT by Ilija Stevanovski
Written in SR by Marija Pavlović

Torcidos

Naquela noite chamava-me, e não parecia que fosse parar. — Mamã. Mamã!  Dizia-o assim, oferecendo-o a mim e ao quarto enquanto se encolhia  numa escuridão de cera, cheia de brinquedos (a sua única propriedade).  Voltou a gritar-mo, com muito mais força, e então afastei o olhar e acariciei  o copo de uísque, mesmo debaixo da base, até que a humidade passou para  a ponta do dedo.  A palavra estava bem cosida ao seu cérebro desde bebé.  Fiquei muito quieta enquanto observava a forma brilhante e obsti nada da gota. Não era um crime deixar que aprendesse a sentir frio, ou  como tragá-lo. Imaginava ...
Translated from ES to PT by Matias Gomes
Written in ES by Matías Candeira

Alguns meses mais tarde

12 de agosto  «Mohamad, daqui a meia hora, esteja perto do telefone. Acho que a encontrei!» Salto da cama num empurrão, visto-me abstraído o mais rápido possível e saio da pensão. Rápido. Como se fosse diferente chegar a casa cinco minutos mais cedo ou mais tarde. Quase corro, descendo a ladeira na direção do porto, ali entre o bairro judeu de Hardara Carmel e o outrora palestiniano de Wadi Salib. Porém, ouço a serra que provavelmente corta o ferro e as galinhas e os galos. Incrível. O cheiro a fazenda no meio da cidade que quer apagar a sua história e ser moderna. Como se regressasse ao ano...
Translated from SL to PT by Barbara Jursic
Written in SL by Andraž Rožman

O Dilema do Guarda-Chuva Castanho Primeira Porta à Direita Nada

Certo dia, na realidade, foi encontrado um guarda-chuva castanho. Era um  guarda-chuva grande, com um cabo de madeira, sob o qual cabiam duas  pessoas. Residia numa gelataria, num canto empoeirado. Nela habitavam  igualmente algumas aranhas de enormes patas. Certa noite… – era uma  noite de verão – , o chapéu-de-chuva abriu os olhos e decidiu: «Vou-me embora.» Mas não tinha pernas e por isso não podia andar sozinho para  nenhum lado. Alguém teria de o levar.  Como habitualmente, no dia seguinte de manhã, Carl abriu a loja e  sentou-se atrás do balcão, à espera dos clientes. Tinha de ser um dia...
Translated from RO to PT by Simion Doru Cristea
Written in RO by Anna Kalimar

Mudança

— Apanhe o elevador, eu vou a correr pelas escadas — grita o jovem médico descendo rapidamente escada abaixo, saltando vários degraus de uma vez. Não conseguir não é uma opção. Algumas semanas atrás, ainda no puerpério, a mãe relatou ao pediatra: o bebé não para de chorar. Na primeira consulta ouviu: amamente-o bem e vai acalmar-se. Na segunda clínica ouve: são cólicas, deixe de comer fritos, a qualidade do leite vai melhorar e o bebé vai deixar de chorar tanto. No gabinete privado, o médico pôs-se a rir: — Porque não haveria de chorar? É um bebé. Os pediatras estavam calmos, mas o choro d...
Translated from PL to PT by Katarzyna Ulma Lechner
Written in PL by Joanna Gierak Onoszko

Coisas que nunca mudam

E eu ainda era vazio de medo por ti, por isso punha a mão para cima, pedindo descendência da tua. E a tua mão lá descia, música de elevador, quente como paninhos, tinha veias como as esquinas das cobras que estão sempre caladas, roías as unhas até encolherem como conchas, e a tua mão lá descia descendência para se dar à minha e entrelaçávamo-nos por meio dessas minhocas que são os dedos. Coitado de ti. Antes disso, andaste comigo ao colo, gemias músicas de embalar a meio da noite quando também precisavas de ressonar. Limpaste-me o rabiosque várias vezes, tocaste com as minhocas nos meus cocós...
Written in PT by Luis Brito

Sobre os corcéis e os demónios

Recordo o dia de ontem como se fosse ontem. Em Bruxelas, apanhei um comboio – aliás, dois, porque tive de mudar para a correspondência – para Haia só para ver uma única pintura.     O demónio obcecou-me com um desejo obsessivo, pelo que simplesmente tive de ir.      Mas a viagem estava longe de ser o que eu imaginava, o que confirmei quase imediatamente depois de sair do hotel, então deixei tudo e todos para trás.      Na estação de comboios de Bruxelas, Gare du Nord, quase embarquei num comboio errado porque sincronizei-me com o horário da Gare Central, de modo que, em vez de comprar o bilhet...
Translated from SL to PT by Barbara Jursic
Written in SL by Mirt Komel

A Ilha

Até hoje não sei bem o que estava a fazer nas ilhas. De que estava à procura? Sei só o que deixei para trás. O país que me deu o passaporte. A mulher que me deu a vida. Tantas coisas que podia comprar com dinheiro. O mundo que eu não conseguia e não sabia mudar. A água do mar estava morna. Ao anoitecer, as ondas resplandeciam repletas de plâncton. Depois de tantos anos de viagem, já não sabia reconhecer bem as docas entre palmares onde normalmente costumava apanhar os sucessivos barcos. Fiquei confusa com os nomes das ilhas, todos começados por palavras como koh e nusa. Fiquei confusa com os...
Translated from PL to PT by Katarzyna Ulma Lechner
Written in PL by Urszula Jabłońska

Moça-Morte

Bloqueio da linha. O suicídio por estrangulamento é relativamente raro. Segundo a prática habitual, o garrote costuma ser enrolado mais vezes e até pode ser assente em algo macio. Durante o estrangulamento, a irritação do nervo vago e a compressão das artérias carótidas impedem o fluxo de sangue para o cérebro e fecham a circulação respiratória. É que a laringe pode não fechar completamente e por isso morrer assim leva mais tempo do que no caso do enforcamento - a menos que tudo resulte em apenas uma perda de consciência e o soltar do garrote. Ao contrário, o enforcamento tem sido desde há ...
Translated from CZ to PT by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Lucie Faulerová

Mas a casa ainda mora em mim

Um batismo. Um novo começo. Uma capa preta por cima dos meus  ombros, como um manto cerimonial. Ela pega na minha cabeça e inclina-a,  cuidadosamente, para trás. A água parece muito mais suave do que a água  do meu duche em casa. As suas pontas dos dedos massajam o meu couro  cabeludo. A minha cabeça. Esta minha cabeça. Esta cabeça sem a qual não posso viver. Esta cabeça pesada. Esta cabeça que se anuncia. Esta cabeça em  que pensamentos. Sempre pensamentos sem aviso prévio. Pensamentos  que nunca cessam. Fecho os olhos e tento imaginar que, juntamente com a  minha cabeça, ela também massaja o...
Translated from NL to PT by Pedro Viegas
Written in NL by Maud Vanhauwaert