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Original text "Smrtholka" written in CZ by Lucie Faulerová,
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Mentor

Lada Weissová

Proofread

Paulo Capinha

Published in edition #2 2019-2023

Moça-Morte

Translated from CZ to PT by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Lucie Faulerová

Bloqueio da linha.


O suicídio por estrangulamento é relativamente raro. Segundo a prática habitual, o garrote costuma ser enrolado mais vezes e até pode ser assente em algo macio. Durante o estrangulamento, a irritação do nervo vago e a compressão das artérias carótidas impedem o fluxo de sangue para o cérebro e fecham a circulação respiratória. É que a laringe pode não fechar completamente e por isso morrer assim leva mais tempo do que no caso do enforcamento - a menos que tudo resulte em apenas uma perda de consciência e o soltar do garrote.

Ao contrário, o enforcamento tem sido desde há muito tempo o método mais popular de suicídio na República Checa. Especialmente nos homens - destes enforcam-se cerca de 61 em 100, enquanto nas mulheres por volta de 40 em 100.

Caso não tenha a sorte de conseguir quebrar o pescoço, a morte ocorrerá cerca de dez minutos depois. É mesmo muito provável que esse tipo de suicídio dê certo, mas se resgatam a pessoa, também há uma forte possibilidade de um dano cerebral.

Surpreendeu-me que o enforcamento oferecesse uma gama de opções de execução mais ampla do que parece. No século 19, um professor qualquer contou 261 posições diferentes nas quais os suicidas se enforcam. Em 168 casos, as pernas estavam assentes no chão, em 42 o corpo estava de joelhos, em 22 casos o suicida estava deitado no chão, 19 estavam sentados e os três últimos estavam de cócoras. Claro que o mais usado na execução é a corda, sendo que a seguir é a gravata, o lenço, lençóis cortados, atacadores, suspensórios, cintos, o fio elétrico ou a tira de couro.

O garrote. Uma palavra que nunca mais poderei pronunciar.

Às vezes penso na determinação, na falta de vontade de viver, ou melhor, na vontade de não viver dos enforcados que foram encontrados em posição de cócoras.


Vjummm.


“Mas vocês sabem realmente porque estou hoje aqui?“, diz o senhor de camisa branca, o qual está de pé em frente ao palco da antiga sala desportiva da vila.

“Porquê?“, pergunta-lhe a senhora de vestido amarelo, a qual está ao lado dele. Ela é a sua esposa, mas o casal mostra-nos apenas um diálogo entre o mentor (ele) e o público (ela), pois quando se trata de público (nós) nunca se pode ter a certeza.

“Esta sessão inteira tem como objetivo inspirar-vos a ganhar coragem!“

“Coragem para o quê?“ fala mais alto a senhora do vestido amarelo. A Madla ao meu lado está a forçar o punho inteiro para dentro da sua boca.

“Coragem para viver a vossa vida verdadeira!“, exclama o senhor da camisa branca. É chegado o momento de algo que deve representar uma catarse, quando se espera uma reação excitada do público real. Olho em volta para os outros num semicírculo de cadeiras, dois terços mulheres, como sempre. Ninguém reage, então a senhora do vestido amarelo pega novamente no papel de todo o grupo e aplaude. Bom, então aplaudimos também.

“Já alguma vez ouviram falar da técnica havaiana Hó oponopono?“, pergunta o senhor da camisa branca. Silêncio. “Antes de vos dizer alguma coisa sobre como essa técnica surgiu, vou-vos dizer o essencial. O mais importante! Estão prontos?“

“Sim!“ vibrou a senhora do vestido amarelo.

“Então ouçam com atenção. Mas a sério − ouçam com atenção“, pronuncia ele lentamente, “é a coisa mais importante que aqui se divulga hoje. É exatamente o que pode mudar a vossa vida.“

Assim todos em silêncio, aguardamos ansiosamente, pois queremos mudar a nossa vida.

“Amo-te“, diz o senhor da camisa branca, olhando para a sra. Edil. “Lamento muito“, diz ele a seguir e olha para a sra. Ricaça. “Por favor, perdoa-me“, acena com a cabeça para o sr. Ricaço. “Obrigado“, diz ele, com o seu olhar fixo na Madla, a qual tira o punho um pouco para fora da cavidade oral.

Segue outro silêncio curto. O público pigarreia. Remexe-se. A sra. Edil puxa a sua papada. A senhora do vestido amarelo parece enigmática.

“O quê, acham que não há nada de especial nessas frases? Vocês dizem-nas de facto quase todos os dias, não é?“ diz o senhor da camisa branca.

“É verdade, sim!“, diz a senhora do vestido amarelo.

“Mas essas quatro frases, que são bem comuns, também podem ajudar a limpar a nossa subconsciência. Vocês podem dissolver com elas os programas ocultos que nos controlam e que nos impedem de cumprir a nossa missão neste mundo. E também de alcançar os nossos desejos. Graças a estas quatro frases, podemos chegar ao chamado estado zero - um estado em que nada existe e tudo é possível. Nesse estado não há pensamentos, palavras, memórias, nenhumas convicções. Simplesmente nada. É um estado de vazio, um estado que as pessoas tentam alcançar de várias maneiras há séculos inteiros, milénios inteiros.“

O senhor da camisa branca quer parecer que formulou tudo isso espontaneamente aqui, mas é óbvio que ele sabe muito bem o que está a dizer, provavelmente diz isso com frequência. “Vocês sabem o que é o estado zero? Não? É o estado de amor puro que não tem nenhumas limitações. Todos nós que estamos aqui temos uma certa lente através da qual observamos o mundo, mas essa lente está cheia de sedimentos. Percebem o que quero dizer com isso. Preconceitos, ilusões, memórias, padrões de comportamento pré-estabelecidos, é necessário livrar-se disso. Remover isso para fora de si. E se limparmos e voltarmos a limpar, entraremos num espaço que pode ser chamado de mundo sem fronteiras...“ A Madla começa a cantarolar silenciosamente a melodia dos Jogos sem Fronteiras.„... encontrarão o vosso próprio Eu, livrar-se-ão da energia negativa e apenas pensamentos e palavras puras poderão fluir dentro de vocês. Então, porque justamente essas quatro frases? Amo-te. Lamento muito. Por favor, perdoa-me. Obrigado. Porque estamos carregados de negatividade e de dor emocional! Elas causam um desequilíbrio dentro de nós! Doenças! Somente através do processo de arrependimento, perdão e subsequente transformação podemo-nos livrar disso. Isso é o que é Hó oponopono.“

O senhor da camisa branca diz que através das palavras “Amo-te“ conectamo-nos com o Criador - a essência é amar tudo, até o nosso excesso de peso e todos os pensamentos loucos que nos vêm à mente, vamos dizer-lhes simplesmente “amo-vos, queridos pensamentos, amo-te, excesso de peso“. O senhor da camisa branca diz que com as palavras “Lamento muito“ reconhecemos que para o nosso sistema entrou um vírus, não pedimos ao Criador para nos perdoar, mas para nos ajudar a perdoar a nós mesmos. O senhor da camisa branca diz que se pedirmos perdão, ao mesmo tempo pedimos também a transmutação da energia negativa em luz, pedimos a transformação da nossa subconsciência em vazio para descobrirmos graças a isso o nosso próprio eu, porque esse só pode ser encontrado no estado zero. Quando dizemos obrigado, diz o senhor da camisa branca, expressamos ao Criador a nossa gratidão e crença de que nos limparemos. O senhor da camisa branca diz que Hó oponopono não é um conceito de vida de um McDonalds, onde imediatamente recebo a refeição pronta na janela, diz — o Criador não é um criado. É necessário limpar, limpar, limpar, indo apagando, encontrar o seu próprio Shangri-La, limpar, apagar, limpar.

“Não seria mais rápido através dum laxante?“ inclina-se a Madla perto de mim.

“O que achas que é Shangri-La“, pergunto-lhe.

“Mata-me“, sussurrou a Madla. “Agradeço-te, a sério.“

O senhor da camisa branca diz que vamos cantar sobre isso, pois que as pessoas em todo o mundo cantam isso também, e que talvez graças a isso vamos entender quão purificante é esse processo de limpeza. A senhora do vestido amarelo vai buscar a capa com a guitarra. A Madla empurra novamente devagarinho o punho para dentro da sua boca.

O senhor da camisa branca toca guitarra e juntamente com a senhora do vestido amarelo cantam sempre uma e outra vez as quatro frases, até que chega a altura do refrão (hó oponopono, hó oponopono, etc.), e procuram de maneira encorajadora o contacto visual com o público (nós), para que nos alinhemos.

Observo o pessoal de Carcaceiro em semicírculo. Vigio aqueles que têm os olhos fechados e sorriem, vigio aqueles a que lhes caem as lágrimas, vigio aqueles que têm um olhar ausente, vigio aqueles que cantam sem constrangimento e também aqueles que se alinham hesitantemente, vigio a sra. Oliveira, a qual limpa a sujidade por baixo das suas unhas. Mas! Naquele momento, ao ritmo havaiano de uma canção sobre amor, perdão, desculpas e agradecimento, ao ritmo de uma canção sobre a busca do sentido da vida, numa canção com a qual nos estamos a limpar, um terrorista irrompe para dentro da antiga sala desportiva da vila. Corre primeiro para junto da sra Oliveira e corta-lhe a mão com um facão, aquela mão, na qual arrancou a sujidade por baixo das suas unhas. A seguir corre para a Edil e esfaqueia a sua papada com um gancho. O sangue espirra para a camisa branca do senhor da camisa branca, mas ele continua sempre a arpejar a guitarra, apenas congelando lhe um pouco o sorriso. Chegam outros terroristas, pelo menos dez, dois deles têm uma bomba junto aos seus corpos. Mas por um momento eles param, escutam, começam a balançar no ritmo, cantarolam juntamente com o senhor da camisa branca e a senhora do vestido amarelo. Mas depois apercebem-se do seu próprio eu, do seu próprio significado na vida, agradecem ao seu Criador e mandam-nos deitar no chão. Gritam, mexem nas suas armas, disparam algumas vezes, todos nós choramingamos, olhamos uns para os outros assustados, temos medo de morrer. Aqui e agora. Já não regressaremos para as nossas casas. Vamos morrer aqui. Desta maneira. Isso. Acaba. E nesse momento estamos negociando nos nossos pensamentos, porque nesse momento também sabemos o que realmente importa. A sra. Oliveira sabe que o que importa é por exemplo a mão, coisa que até agora não lhe havia ocorrido. De repente, todos sabem o que são coisas importantes e o que são coisas menos importantes, todos desejam estar num lugar diferente, todos têm esse lugar concreto na sua mente, todos têm pessoas específicas nesse lugar na sua mente. Os terroristas bateram depois no senhor da camisa branca com a guitarra na cabeça e saíram, deixando-nos vivos, pois perceberam que estamos perigosamente perto do estado zero nesta aldeia.

Continuamos todos vivos. Contudo, apesar de alguns dos choques pós-traumáticos e urinadas na cama, todos beneficiámos disso, pois na verdade, só após essa experiência é que passámos realmente a viver. Um belo ano, ou dois. Amamos, pedimos desculpa, pedimos perdão, agradecemos.

E dois ou três anos depois... contamos a história de como fomos uma vez atacados por terroristas no ginásio no curso do Hó oponopono. Contamos isso depois toda a nossa vida − na parte que resta dela − a muitas pessoas, porque foi mesmo uma experiência estarrecedora, contamos numa festa de Natal com um copo de espumante. E a seguir vamos para casa, e em casa ao computador, o rascunho duma carta de motivação e vinte ofertas abertas no Net-Empregos, pois o trabalho atual está a começar a ser um estereótipo e não há por onde progredir, um olhar perplexo num frigorífico cheio, conversas com cinco homens no messenger em processo, porque cada um deles pode ser o certo, mas qual é? qual??, uma nova mancha da caneca na mesa - quantas vezes te devo dizer para pores uma base por baixo do copo!, pressionando a flácida gordura na barriga em frente ao espelho na casa de banho, a partir de amanhã não enfardarei!, antes de ir para a cama mandar o último beijinho-beijinho e tenho saudades tuas e um smile triste e antes de apagar a luz um beijinho também a ela que está deitada ao meu lado, bom, e imagina!, aumentaram novamente o preço da manteiga, inacreditável!


Tamtamm.


A porta para a casa de banho entreaberta, em vez da janela. O meu pai está em frente ao espelho, chapinhando a sua gilette no lavatório cheio de água enquanto cantarola Our House dos Crosby, Stills e Nash.

Antigamente eu costumava pensar que o meu pai é uma sequoia. O maior do mundo. Como a Hyperion, uma árvore de quase 116 metros de altura. Mas depois que a Madla morreu, ele começou a afundar-se no chão. A sua casca ficou cinza, os ramos vergaram-se e eu já não consegui encontrar mais alguma árvore digna em nenhum atlas pela qual eu poderia chamar o meu pai.


Caixapequena caixapequena.


Caixapequena, sussurram as rodas do comboio, sussurram como os trolls traiçoeiros, dão um risinho, sussurram enquanto olho para baixo da colina para o cemitério. O cotão voa à nossa volta.

Nevam álamos e o caixão da Madla é tão absurdamente pequeno que não consigo tirar os olhos dele. Digo baixinho ao Adam que ela com certeza não podia caber, o Adam põe os dedos na minha boca porque se dá para ouvir um pouco. Mas tenho razão, ou está lá dentro partida ou dobrada. E quanto mais o sotaina fala, menor fica a caixa de madeira, talvez afinal a Madla não esteja dentro dela! O sotaina levanta um pouco a voz, porque o meu comboio está a passar por cima atrás da igreja. Viro a minha cabeça para a colina e imagino, como estou sentada lá dentro e estou fugindo, estou a caminho, não aqui, estou a caminho, qual é o destino, o caminho pode ser o destino, sabe-se, sabe-se já há muito tempo, até se canta sobre isso. E quando eles colocam o corpo da Madla no buraco no chão, aquela caixa de madeira já é mais como uma caixa de joias, uma caixa de um anel bem pequenino, uma caixa que vocês pegariam facilmente com a palma da mão e deixariam-na desaparecer na manga. Como por magia. Abracadabra, sumida.

Estou a tirar o cotão da minha roupa.

Caixapequena caixapequena caixapequena, sussurram as rodas. O comboio está a demorar-se e a arrastar-se. Bafurdamos com esforço num amontoado de neve branca.


Tamtamm.


Penso na Madla a toda a hora. Linhas sem saída. Túnel sem fim.


Poucaterra-poucaterra-poucaterra.


Às vezes, quando o sr. Rochester traz um móvel novo que ele acabou de fazer, para a loja, ele ainda fica algum tempo parado junto da peça e olha-a de vários ângulos, e depois permanece num e olha para trás um pouco para mim e eu acho que ele quer saber a minha opinião e talvez queira perguntar, mais para puxar a conversa − do que ele realmente se importasse. Mas ele perguntou só uma vez. “O que acha disso?“ e logo percebeu que eu não diria nada, então ele acrescentou: “Não parece mal, pois não?“ e eu abanei a cabeça que não que não parece mal, e talvez eu tenha sorrido um pouco ao me atrever a chegar mais perto da cómoda e acariciá-la nas bordas.

“Tu deste-me trabalho,“ disse ele ao acariciar também a cómoda. Passou a mão ao longo dela e a seguir deu-lhe uma palmada.

Eu sou uma cómoda e o sr. Rochester está a acariciar as minhas costas. De cima para baixo.

E a seguir dá uma palmada.

Ele olha para mim com surpresa quando eu dou risinhos como uma adolescente idiota e quando fico vermelha como uma adolescente idiota. Balanço a minha cabeça como se quisesse sacudir esse momento embaraçoso das orelhas para fora.

Ele sorri.

Eu gostaria de abraçá-lo.

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