Published Texts
Welcome to our publication platform! You can browse and search for stories and samples from all our writers. Thanks to our translators, each story is available in Czech, Dutch, Italian, Polish, Portuguese, Romanian, Serbian, Slovene and Spanish. Throughout the years, this platform is becoming a growing archive of European literature by the future generation of literary artists. We're sharing stories beyond barriers.
Alguns minutos à deriva
O dia começou mais cedo do que tinha pensado.
Tinha posto o alarme para tocar às 5.56 por várias razões. Queria ter tempo para a meditação matinal e também, para poder aguardar trinta minutos que o comprimido que melhora as funções da tiroide fizesse efeito antes do café, e depois, começar uma série de exercícios que combinam o queimar das gorduras com a tonificação dos músculos, usando somente o próprio peso, sem esquecer, entretanto, de ligar o esquentador elétrico, porque o aquecimento da água leva umas quatro horas, o que me dá tempo de sobra para acabar também a sequência de ioga para ab...
Translated from
RO
to
PT
by Cristina Visan
Written in RO by Cristina Vremes
O retrato
A casa tinha uma porta de carvalho e uma fachada imponente. Não havia nomes na campainha. David demorou um pouco a descer e eu fui olhando a rua à minha volta. Era calma e branca, não se comparava com o bairro ao pé do canal onde a Sam e eu morávamos. Eu oscilava entre o devaneio e a irritação, como me acontecia muitas vezes quando era confrontada com coisas que não me podia permitir.
Ele abriu a porta e sorriu-me. Tinha a camisa aberta. Eu subi as escadas atrás dele e fui novamente envolvida pelo cheiro dele: nozes e terebintina. O atelier estava tão desarrumado como da outra vez, mas havia...
Translated from
NL
to
PT
by Lut Caenen
Written in NL by Hannah Roels
Francamente querida, tanto me faz
O Marek faz-me cair na cama e pelo seu rosto passa-se algo que combinado com o seu aperto, me faz perder completamente a orientação, como se a nossa cama fosse uma avalanche em que ele me afundou e eu esquecia onde é em cima e onde é em baixo. Tudo isto dura apenas um segundo, esse aperto e essa sua expressão, no momento seguinte saca-me da avalanche, e ainda que eu permaneça na posição horizontal, já me é perfeitamente claro onde é em cima e onde é em baixo. E só agora atinjo, mas mesmo assim apenas em contornos, agora me apercebo dessa ideia, que dispara pela minha cabeça como se alguém acen...
Translated from
CZ
to
PT
by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Lucie Faulerová
Fios
A procura não começa de forma consciente. Sinto-me ligada a ela de uma forma perturbadora, inexplicável, e o seu desaparecimento deixa-me sozinha frente às minhas interrogações. Ao acordar pergunto-me onde dormirá e como vive e continuo a pensar nela, masturbando-me doce e suavemente entre os lençóis enquanto olho para as nuvens pela janela basculante. Quando passo pelas barracas de fruta no nosso bairro, vou tocando nas laranjas com as pontas dos dedos, até que encontro uma que me lembra a sua pele, uma com os poros perfeitos.
Aterrei nas suas aulas de yoga devido às minhas constantes dores ...
Translated from
NL
to
PT
by Lut Caenen
Written in NL by Hannah Roels
Como nos tornaremos menos
1.
Na sua sala de estar, encontra-se pendurado, para além de um calendário, a conta de um restaurante onde tinham decidido ficar juntos e algumas fotografias, uma lista de todos os animais e plantas que se encontram em risco de extinção: 3.079 e 2.655, respetivamente. Ela já tinha esta lista desde os seus treze anos, e, por ausência de autocolantes, tinha colocado pensos junto aos animais que desejava ver.
Ele pensou que se tratasse de uma lembrança da infância dela e nunca tinha considerado a possibilidade de irem à procura de animais e plantas em risco de extinção.
Quando um novo animal entr...
Translated from
NL
to
PT
by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit
Mudar de ideias
A Maixa recomenda-me que pronuncie todas as sílabas, sem me armar em londrina, que não me alongue muito no enquadramento teórico, que experimente o equipamento informático antes de começar a defesa, que seja humilde, que tome nota das perguntas e sugestões do júri e que os convide para almoçar num restaurante de menu fixo. A June opina que isso do menu é muito foleiro e sugere-me um refeitório na faculdade, uma citação de Weber, meio Lexatin ao pequeno-almoço e dar-me boleia até Gasteiz. Aceito a bibliografia e o transporte.
Saímos de Bilbau com a minha mãe, a minha prima e o meu namorado co...
Translated from
ES
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PT
by Miguel Martins
Written in ES by Aixa De la Cruz Regúlez
Natalya
Assim que soube que o problema era evasão fiscal liguei ao meu contabilista
ó Zeferino, mas que porra é esta, tu explica-me lá que porra é esta, disseste-me que tinhas tudo sob controlo, para ignorar as cartas das finanças que tratavas de tudo, tu explica-me que porra é esta, e à Misé, a quem há apenas dois dias dera um anel de zircónio muito decente,
temos de devolver a jóia, princesa, depois explico-te
lavei o bucho com dois calmantes e meia garrafa de vodka, estendi-me no sofá e meti o portátil no chão a vomitar folhas de Excel para que, na eventualidade de alguém chegar, a minha i...
Written in PT by Valério Romão
Árvore Monstro Menino Árvore
Ainda não sabemos como Óscar comeu a semente, nem descobrimos de onde a tirou. Temos ainda menos respostas para percebermos como pôde a árvore crescer-lhe por dentro, germinar a semente sem qualquer impedimento, disse o médico, na boca do seu estômago, regada somente pelos sucos biliares do menino. É que aos sete anos, também nos disse o médico, os estômagos funcionam muito bem. O corpo do nosso Óscar — ainda era o nosso Óscar então — permitiu que a árvore crescesse, que as raízes se estendessem pelos intestinos e que o tronco se fosse distendendo esguio, cerimonioso, ao longo do esófag...
Translated from
ES
to
PT
by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres
O metro
Na segunda-feira de manhã ouvi o metro chegar à estação no momento em que introduzia o bilhete na máquina e, embora ainda não estivesse atrasado e mesmo que estivesse, não havia problema, embora estivesse abraçado pelo desejo absoluto de apanhar aquele metro, um desejo não tanto como uma vontade, mas como um anseio bizarro de vingança, lançou-se pelas escadas abaixo. Aconteceu algo muito curioso. Assim como se diz que quando se morre, toda a vida te passa pela frente dos olhos, naqueles breves segundos de que precisou T. para saltar os degraus, toda a sua vida lhe passou pela mente a uma veloc...
Translated from
RO
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PT
by Simion Doru Cristea
Written in RO by Cătălin Pavel
Não quero ser um cão
Escrevo no teclado: «PÔR FIM A UM DESGOSTO DE AMOR». Vejo histórias de pessoas mas não quero histórias. Quero soluções, não quero compaixão. Isto tem de parar agora. «TRANSFORMAÇÃO», escrevo. O Google diz que há transformação na matemática e na genética. Opto pela segunda e com isto faço a minha primeira escolha. Estou farta deste corpo que já foi beijado por demasiadas pessoas, que talvez até esteja estragado. Tenho sido muito imprudente com ele, demasiado descomprometida, tem de acabar, tem de ser outro e melhor. Transformação genética. «Cura com sumos» aparece no ecrã. «Transforma-te numa v...
Translated from
NL
to
PT
by Lut Caenen
Written in NL by Alma Mathijsen
Para não Te Ver
Já sabes que levei os miúdos, as roupas, as coisas do banho, a comida biológica dividida em pequenas porções dentro de tupperwares de cores berrantes como as da Benetton, levei também os livros deles, porque de noite é só pela leitura que consigo convocar o sono do Rogério, e não raras vezes ele acorda horas depois com um pesadelo a esganar-lhe a maçã-de adão, e eu abraço-o, como te abraçava, Rita, quando fazíamos um ninho tão perfeito que quem nos visse de cima poderia facilmente confundir-nos com um daqueles símbolos chineses a preto-e-branco onde se vêem explicados a imortalidade e o...
Written in PT by Valério Romão
Sempre vivemos nesta aldeia
Mudámos de pele. Digo-o a mim mesma em frente ao espelho de água que o tanque nos proporciona. Já não existem vacas na aldeia, pelo que este bebedouro é nosso, como quase tudo o que nos rodeia. Nosso e de ninguém. Património das que resistem e residem. A minha filha, que tem restos de lama e folhas secas no cabelo, agarra-se ao meu corpo como um animalzinho. Há muito tempo que não usamos o carrinho de bebé porque os caminhos de pedra estragam-no e os meus músculos habituaram-se a ela, ao seu peso e aos seus contornos, adquirindo contornos novos, atléticos, impensáveis. Já não sou uma mulher ma...
Translated from
ES
to
PT
by Miguel Martins
Written in ES by Aixa De la Cruz Regúlez
De regresso a casa
Quando voltam a entrar no carro, deixando a cidade, ele tenta desdramatizar dizendo que foi uma daquelas situações impossíveis, que designa por Que-farias-tu-se?
Ela anui. — Essas situações não são o teu forte — comenta.
— O que é que queres dizer com isso? Não sei que porra mais deveria ter feito?
— Não digas asneiras. O Matteo repete tudo o que tu dizes.
Alice dá uma espreitadela atrás de si. Matteo vai derreado na cadeirinha.
— Podes dizer-me o que fiz de mal? — pergunta ele passado algum tempo.
— Davide, perdeste as estribeiras, desataste aos murros ao vidro. Se não tivesse sido eu, ...
Translated from
IT
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PT
by Vasco Gato
Written in IT by Fabrizio Allione
Trilogia do sexo errante
Diante do portão da tia Nicoleta havia muita gente vinda para acompanhar o tio Titi no seu último caminho, o tio Titi que, embora gostasse da pinga, era gente boa, alegre, grande azar para a sua mulher, gente nova, nunca se sabe o que Deus traz, mas a sua mulher cuidou dele, todos os dias lhe punha uma compressa fria na testa, e até o levou a todos os médicos, e olhe que até neste momento, o faz com muito esplendor, vide o caixão de que madeira boa, bordo parece-me, e como trouxe mulheres para cozinhar durante três dias para o banquete de despedida, e foi sozinha ter com o padre Cristea e bate...
Translated from
RO
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PT
by Cristina Visan
Written in RO by Cristina Vremes
Uma declaração de dependendência
Recentemente, cruzei-me num churrasco com uma pessoa que tinha acabado de ter um bebé. O churrasco era a primeira atividade fora de casa pós-parto. Com o bebé nos braços, confessou o quão dependente se tinha tornado. Esta palavra fazia-lhe surgir uma expressão de deceção na face, e contava isto como se de uma confissão se tratasse.
Ela parecia considerar a dependência como uma forma de fracasso. Tal como todos nós, julgo eu.
A dependência é, normalmente, associada a algo fraco e pouco atraente, quase feio. A independência, por sua vez, é vista como algo forte e atraente, o objetivo a a...
Translated from
NL
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PT
by Pedro Viegas
Written in NL by Rebekka de Wit
Parêntesis
Suponho que nem o que temos de mais fiável - os sentidos, isto é, o que vemos, ouvimos, aquilo de que nos apercebemos com o corpo - é fiável em situações como a morte de um pai, o nascimento de um filho ou estar prestes a morrer atropelado. Agora, que já enterrámos o papá, e estou por fim sozinho com os meus pensamentos, constato que ontem, no tanatório, tal como há trinta anos atrás, o tempo parou. Por uns segundos, sim. Mas aconteceu outra vez. E soube, imediatamente, que se tratava do mesmo fenómeno que vivi em criança.
Naquela noite também estava com o papá.
Aconteceu...
Translated from
ES
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PT
by Matias Gomes
Written in ES by Mariana Torres
Sónia levanta a mão
Por estes lados, as pessoas são muito desconfiadas. Mas não se sabe se noutros sítios a iriam receber de braços abertos. As pessoas do lado dele. Os do outro grupo. Não conhece, no círculo dela, casais das gerações anteriores, em que os dois sejam amigos, e não inimigos, mesmo que fiquem juntos até à velhice. Algures no mundo talvez existam os que ainda ficam amigos a vida toda e para além dela, mas são poucos, extremamente sortudos e bem escondidos aos olhos dos outros, de tal forma, que, olhando à tua volta, tu, jovem, possas estar quase convencido de que quem está ao teu lado chegará a dest...
Translated from
RO
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PT
by Cristina Visan
Written in RO by Lavinia Braniște
Hidra
— Nada como a nossa casa — diz ele e, um a um, tira os anéis. Ivanka caminha até ao centro da cabina e fica parada. Ainda esperará um pouco. Observa-o a mover-se junto à cama, mais rápido, para que a luz ver melha suavize a sua corpulência e a sua respiração se deixe ir rumo ao som do oceano. Aliás, já orquestrou a maneira minuciosa de ir examinando o quarto até criar pequenas ilhas de si mesmo. Descalçou-se rapidamente. O casaco cai mole sobre o bengaleiro. Os botões de punho dourados e o laço vão para a mesinha de cabeceira. Que atencioso. Estas gentilezas rodei am-na.
— Que alívio liv...
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ES
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PT
by Matias Gomes
Written in ES by Matías Candeira
Pássaros que cantam o futuro
Parece uma mistura impossível de coruja, morcego, pinguim e texugo; tem a pelagem azul, os olhos grandes e vermelhos, o bico amarelo; não tem mãos mas sim duas asas pequenas que se acionam ao ligá-lo.
Feliz aniversário, diz ela.
Noa pensa que a compra valeu a pena, ainda que tenha ultrapassado um pouco o seu orçamento. Precisou de dez mesadas para reunir o dinheiro mas, agora, ao vê-lo a ele tão entusiasmado, alegra-se por ter renunciado ao cinema, ao parque de diversões e, inclusivamente, à pista de bólingue das Sextas-feiras com as suas amigas.
Daniel segura o boneco como se fosse algo v...
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ES
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PT
by Miguel Martins
Written in ES by Alejandro Morellón Mariano
Um carro da Grécia antiga
Era um dia quente de junho. Só que não se dizia junho, mas antes Thargelion ou Skirophorion. As duas figuras saíram das muralhas de Atenas e, em amena conversa, dirigiram-se, ao longo do rio Ilissus para o campo. Falavam sobretudo de amor.
O mais novo dos dois, o jovem, levava consigo uma transcrição do discurso de outra pessoa sobre o amor ser o mal, e ele até acreditava nisso. Na verdade, ele falava apenas desse discurso de outra pessoa. O homem mais velho discordou com ele mentalmente, mas deixou-se levar pela paixão do jovem. E assim pararam debaixo de um grande plátano onde o mais velh...
Translated from
CZ
to
PT
by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Ondrej Macl