Reading platform


Welcome to our publication platform! You can browse and search for stories and samples from all our writers. Thanks to our translators, each story is available in Czech, Dutch, Italian, Polish, Portuguese, Romanian, Serbian, Slovene and Spanish. Throughout the years, this platform is becoming a growing archive of European literature by the future generation of literary artists. We're sharing stories beyond barriers.

Jericó

Parte I – A Quinta [...] I [...] A quinta, como lhe chamavam, erguia-se solitária num planalto no cimo de uma colina baixa. Era uma casa rural com dois pisos, uma construção de madeira, retangular, estreita e comprida. Do janelão do piso superior, sentado na cadeira de balouço, no corredor, Jens observava o campo que se estendia para lá do rio. Os seus pequenos olhos pretos não paravam de se mexer, explorando o horizonte envolto na escuridão, atentos a qualquer pormenor suspeito. Elia e Natan estavam sentados no chão, ao seu lado, a brincar com carros em miniatura enferrujados. Ouvia-se ...
Translated from IT to PT by Vasco Gato
Written in IT by Fabrizio Allione

Os Pandas de Ueno

Desde que as crianças nasceram, ou talvez desde que eu me inscrevera nas redes sociais, ou ainda desde que o trabalho me obrigava a comunicar de forma clara e atrevida, a fazer no fundo referência a coisas conhecidas, em vez de as inventar, dividia o meu tempo em tempo verdadeiro, ou seja, aquele que podia relatar a mim mesma na minha língua verdadeira, e tempo falso, ou aquele em que tinha de falar por categorias, segundo códigos ou por emulação de atitudes. Lia nos romances acerca de homens tenazes e voluntariosos que se levantavam às quatro da manhã, tomavam duches frios, e às seis já esta...
Translated from IT to PT by Vasco Gato
Written in IT by Arianna Giorgia Bonazzi

Mudança

— Apanhe o elevador, eu vou a correr pelas escadas — grita o jovem médico descendo rapidamente escada abaixo, saltando vários degraus de uma vez. Não conseguir não é uma opção. Algumas semanas atrás, ainda no puerpério, a mãe relatou ao pediatra: o bebé não para de chorar. Na primeira consulta ouviu: amamente-o bem e vai acalmar-se. Na segunda clínica ouve: são cólicas, deixe de comer fritos, a qualidade do leite vai melhorar e o bebé vai deixar de chorar tanto. No gabinete privado, o médico pôs-se a rir: — Porque não haveria de chorar? É um bebé. Os pediatras estavam calmos, mas o choro d...
Translated from PL to PT by Katarzyna Ulma Lechner
Written in PL by Joanna Gierak Onoszko

Todas as pessoas se tornam irmãos

Quando vi o Andrei afastar-se, comecei a gostar dele. Vi a sua mochila preta a abarrotar que ele transportava como um escudo sobre as costas. A mochila estava tão cheia que se percebia logo que ele não estava a caminho de nada, que não ia a lado nenhum. Se tivesse ido para as montanhas assim, a mochila ia desequilibrá-lo, podia puxá-lo para trás, e lançá-lo no abismo. Os fechos éclair da mochila estavam velhos e parecia que iam rebentar a qualquer momento. Eu imaginava que a mochila ia abrir-se de repente, como um airbag, uma almofada de ar que começava a crescer, cada vez maior, e que se tran...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Yelena Schmitz

Sónia levanta a mão

Por estes lados, as pessoas são muito desconfiadas. Mas não se sabe se noutros sítios a iriam receber de braços abertos. As pessoas do lado dele. Os do outro grupo. Não conhece, no círculo dela, casais das gerações anteriores, em que os dois sejam amigos, e não inimigos, mesmo que fiquem juntos até à velhice. Algures no mundo talvez existam os que ainda ficam amigos a vida toda e para além dela, mas são poucos, extremamente sortudos e bem escondidos aos olhos dos outros, de tal forma, que, olhando à tua volta, tu, jovem, possas estar quase convencido de que quem está ao teu lado chegará a dest...
Translated from RO to PT by Cristina Visan
Written in RO by Lavinia Braniște

Com as aves, partilho o céu

      Às vezes, torna-se insuportável. Manducam tão alto que me despertaram. E não só, também discutem quem terá o bocado mais saboroso e não me deixam adormecer. Tudo se ouve, embora haja vidros duplos nas janelas e as esquadrias isolem bem. Um quer sementes de abóbora, outro de linho, porque estalam tão entusiasticamente, os mais pequeninos querem, sôfregos, as migalhas de pão. As fêmeas não querem, de maneira nenhuma, o bolo de sebo. Quem diria que os tordos-comuns, os pintarroxos, os chapins-azuis e os verdilhões não queiram encher o seu aparelho digestivo com absolutamente nada do que lhe...
Translated from SL to PT by Barbara Jursic
Written in SL by Agata Tomažič

Amanhã

Deitada de costas, no conforto macio dos lençóis, com os olhos fixos num ponto invisível do tecto do quarto, Carlota tentava a custos regular a respiração que se mantinha alterada desde que o sonho ansioso que estava a ter a despertou. Já nem se lembrava do que realmente estava a sonhar, só se recordava da sensação desesperada que a obrigou a acordar. E, desde esse despertar abrupto a meio da noite, que ela tentava, de todas as maneiras que conhecia e se lembrava, baixar o ritmo cardíaco, até aquele momento sem sucesso. Desistiu, empurrou a coberta para trás e levantou-se da cama, sem antes o...
Written in PT by Patrícia Patriarca

O arrendamento

Os meus dedos grossos de trabalho e velhice arranham-me as maçãs do rosto de cada vez que enxugo estas lágrimas que não me deixam. Estou convencida que o mar não tem fim e não sei de onde me nasce sempre mais uma aflição se já estou morta dentro de mim. Não haverá paz depois do fim de tudo? Nunca vi o mar, mas sei como se fazem os caminhos. À água ninguém lhe põe a mão, que ela vai sempre onde quer ir, mas eu sei arregueirá-la e tirar partido da sua teimosia, antes que me volte a fugir e vá lá para os confins encher os espaços do meu desconhecimento. Não medi ainda o tamanho do espanto de con...
Written in PT by Daniela Costa

A ranhura do zangão

O dia zero  Os seus dedos deslizaram quase automaticamente até ao telemóvel, que pousou ao pé do prato da sopa. Não que esperasse que no ecrã aparecesse algo excitante, mas os velhos hábitos são difíceis de esquecer... De cada vez que veio passar alguns dias a casa, preferiu desativar a aplicação web de encontros. E ainda não saberia dizer se o fez por si se pela sua família – dado que se sentia desconfortável em deixá-los embaraçados –, ou se o fez para se proteger do desconforto de segunda mão: não suportaria que por entre os perfis avistasse as nicks deploráveis e as lamentáveis e meio dis...
Translated from SL to PT by Barbara Jursic
Written in SL by Agata Tomažič

Não quero ser um cão

Escrevo no teclado: «PÔR FIM A UM DESGOSTO DE AMOR». Vejo histórias de pessoas mas não quero histórias. Quero soluções, não quero compaixão. Isto tem de parar agora. «TRANSFORMAÇÃO», escrevo. O Google diz que há transformação na matemática e na genética. Opto pela segunda e com isto faço a minha primeira escolha. Estou farta deste corpo que já foi beijado por demasiadas pessoas, que talvez até esteja estragado. Tenho sido muito imprudente com ele, demasiado descomprometida, tem de acabar, tem de ser outro e melhor. Transformação genética. «Cura com sumos» aparece no ecrã. «Transforma-te numa v...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Alma Mathijsen

A Ilha

Até hoje não sei bem o que estava a fazer nas ilhas. De que estava à procura? Sei só o que deixei para trás. O país que me deu o passaporte. A mulher que me deu a vida. Tantas coisas que podia comprar com dinheiro. O mundo que eu não conseguia e não sabia mudar. A água do mar estava morna. Ao anoitecer, as ondas resplandeciam repletas de plâncton. Depois de tantos anos de viagem, já não sabia reconhecer bem as docas entre palmares onde normalmente costumava apanhar os sucessivos barcos. Fiquei confusa com os nomes das ilhas, todos começados por palavras como koh e nusa. Fiquei confusa com os...
Translated from PL to PT by Katarzyna Ulma Lechner
Written in PL by Urszula Jabłońska

Sempre vivemos nesta aldeia

Mudámos de pele. Digo-o a mim mesma em frente ao espelho de água que o tanque nos proporciona. Já não existem vacas na aldeia, pelo que este bebedouro é nosso, como quase tudo o que nos rodeia. Nosso e de ninguém. Património das que resistem e residem. A minha filha, que tem restos de lama e folhas secas no cabelo, agarra-se ao meu corpo como um animalzinho. Há muito tempo que não usamos o carrinho de bebé porque os caminhos de pedra estragam-no e os meus músculos habituaram-se a ela, ao seu peso e aos seus contornos, adquirindo contornos novos, atléticos, impensáveis. Já não sou uma mulher ma...
Translated from ES to PT by Miguel Martins
Written in ES by Aixa De la Cruz Regúlez

O retrato

A casa tinha uma porta de carvalho e uma fachada imponente. Não havia nomes na campainha. David demorou um pouco a descer e eu fui olhando a rua à minha volta. Era calma e branca, não se comparava com o bairro ao pé do canal onde a Sam e eu morávamos. Eu oscilava entre o devaneio e a irritação, como me acontecia muitas vezes quando era confrontada com coisas que não me podia permitir. Ele abriu a porta e sorriu-me. Tinha a camisa aberta. Eu subi as escadas atrás dele e fui novamente envolvida pelo cheiro dele: nozes e terebintina. O atelier estava tão desarrumado como da outra vez, mas havia...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Hannah Roels

Alguns minutos à deriva

O dia começou mais cedo do que tinha pensado. Tinha posto o alarme para tocar às 5.56 por várias razões. Queria ter tempo para a meditação matinal e também, para poder aguardar trinta minutos que o comprimido que melhora as funções da tiroide fizesse efeito antes do café, e depois, começar uma série de exercícios que combinam o queimar das gorduras com a tonificação dos músculos, usando somente o próprio peso, sem esquecer, entretanto, de ligar o esquentador elétrico, porque o aquecimento da água leva umas quatro horas, o que me dá tempo de sobra para acabar também a sequência de ioga para ab...
Translated from RO to PT by Cristina Visan
Written in RO by Cristina Vremes

A Tapioca

Foi o ronco do motor da carrinha da associação que anunciou que era hora de almoço naquele dia em que o sol de tanto queimar não se via. O velho estava debaixo da figueira, envergando uma camisa muito suja toda desabotoada, com um riso irónico na boca fechada para segurar o cigarro. Ficou a ver a brasileira - duas grandes manchas de água debaixo dos braços e as costas da farda igualmente ensopadas - sair do veículo; ir buscar as marmitas e dirigir-se para o anexo que funcionava como cozinha onde era hábito ele estar. — Tio João! Tio João! O riso a contrair todas as rugas do rosto, abrindo re...
Written in PT by Daniela Costa

O regresso

As coisas descarrilaram em agosto, num domingo de manhã, quando os primeiros transeuntes da Place du Parvis Notre-Dame, empregados dos cafés da zona, viram o objeto, algo como uma bala gigantesca assente no solo com a ponta virada em direção à catedral e a parte traseira na direção da esquadra de polícia. Numa primeira estimativa, o projétil media por volta de vinte metros de comprimento e cinco de diâmetro. Os empregados de mesa e de bar aproximaram-se com curiosidade, deram uma volta, encolheram os ombros e foram abrir os restaurantes. Isto foi por volta das sete. Por volta das oito, os pad...
Translated from RO to PT by Cristina Visan
Written in RO by Alexandru Potcoavă