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Welcome to our publication platform! You can browse and search for stories and samples from all our writers. Thanks to our translators, each story is available in Czech, Dutch, Italian, Polish, Portuguese, Romanian, Serbian, Slovene and Spanish. Throughout the years, this platform is becoming a growing archive of European literature by the future generation of literary artists. We're sharing stories beyond barriers.

Todas as pessoas se tornam irmãos

Quando vi o Andrei afastar-se, comecei a gostar dele. Vi a sua mochila preta a abarrotar que ele transportava como um escudo sobre as costas. A mochila estava tão cheia que se percebia logo que ele não estava a caminho de nada, que não ia a lado nenhum. Se tivesse ido para as montanhas assim, a mochila ia desequilibrá-lo, podia puxá-lo para trás, e lançá-lo no abismo. Os fechos éclair da mochila estavam velhos e parecia que iam rebentar a qualquer momento. Eu imaginava que a mochila ia abrir-se de repente, como um airbag, uma almofada de ar que começava a crescer, cada vez maior, e que se tran...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Yelena Schmitz

A Tapioca

Foi o ronco do motor da carrinha da associação que anunciou que era hora de almoço naquele dia em que o sol de tanto queimar não se via. O velho estava debaixo da figueira, envergando uma camisa muito suja toda desabotoada, com um riso irónico na boca fechada para segurar o cigarro. Ficou a ver a brasileira - duas grandes manchas de água debaixo dos braços e as costas da farda igualmente ensopadas - sair do veículo; ir buscar as marmitas e dirigir-se para o anexo que funcionava como cozinha onde era hábito ele estar. — Tio João! Tio João! O riso a contrair todas as rugas do rosto, abrindo re...
Written in PT by Daniela Costa

Sónia levanta a mão

Por estes lados, as pessoas são muito desconfiadas. Mas não se sabe se noutros sítios a iriam receber de braços abertos. As pessoas do lado dele. Os do outro grupo. Não conhece, no círculo dela, casais das gerações anteriores, em que os dois sejam amigos, e não inimigos, mesmo que fiquem juntos até à velhice. Algures no mundo talvez existam os que ainda ficam amigos a vida toda e para além dela, mas são poucos, extremamente sortudos e bem escondidos aos olhos dos outros, de tal forma, que, olhando à tua volta, tu, jovem, possas estar quase convencido de que quem está ao teu lado chegará a dest...
Translated from RO to PT by Cristina Visan
Written in RO by Lavinia Braniște

O zumbido

No comboio, na última parte da viagem, tinha visto pela janela pegajosa as bordas do céu. Levantou-se para ver também do outro lado da carruagem e aproximou-se do homem adormecido com a cara escondida atrás do cortinado e com a mão direita firmemente pousada na pequena mala de viagem, que estava no assento ao lado. Sim, da sua janela via-se o mesmo. Um cobertor compacto, azul índigo, num plano paralelo ao campo extenso, cheio de molhos secos. E na sua orla, um azul aberto e claro, como um mar afastado, suspenso entre o céu e a terra. Por cima da camada índigo, estava sol. Quando se levantou,...
Translated from RO to PT by Cristina Visan
Written in RO by Lavinia Braniște

Apesar da primavera

      Sob a luz intensa duma lâmpada de néon da fraca qualidade, Mariana Gruić cuspia tentando limpar a lama das suas coxas. Ainda era jovem e ainda capaz de correr numa flecha até à entrada, nem sequer tinha que andar pelo caminho pavimentado, as sapatilhas gastas que tem dão-se bem com a terra e a poeira. Mariana refletia sobre a vida, ainda ontem pulava elástico, e já hoje o namorado beijou-a de língua e ela sentiu uma língua alheia, quente e áspera, a encher-lhe a boca. A vida vai mudando, dizia a avó de Mariana, a vida vai mudando sem parar, só que vai ficando sempre pior. Mariana Gruić a...
Translated from SR to PT by Ilija Stevanovski
Written in SR by Ana Marija Grbic

Todos os bichos do campo

Como era habitual, naquela manhã acordou com fome. Os grasnidos dos patos que sobrevoavam o telhado ressoaram nas paredes do dormitório e a miúda sentou-se na cama. Os patos tinham chegado a casa da sua avó vindos de longe, talvez de outro continente, agitando as suas asas. De um dia para o outro, tinha deixado de ir à escola e mandaram-na para ali, com a sua avó, que vivia junto a um lago, a quilómetros da aldeia mais próxima. Ela não interessava a ninguém. Os seus pais procuravam intimidade, ou estavam a trabalhar, lá na cidade, não sabia bem. Aquilo de que não duvidava era dos tremores do s...
Translated from ES to PT by Miguel Martins
Written in ES by Adriana Murad Konings

Diário

21 de agosto       Chamo-me Erik Tlomm e este é o meu diário. Foi o psiquiatra que me recomendou escrever, supostamente para ter melhorias no tratamento. Contudo, para quem devo escrever? Para ele? Para a minha esposa Lina? Mas com certeza não lhe vai mostrar o que eu escrevi. Quando lhe perguntei, respondeu: «Escreva para si próprio.» Então, comprei uma caderneta de couro e eis-me aqui, sentado à secretária, a escrever-me um diário, sem conseguir afastar a sensação de escrever também para outra pessoa – mas para quem? 22 de agosto       Deixem-me explicar o meu primeiro registo no diário (...
Translated from SL to PT by Barbara Jursic
Written in SL by Mirt Komel

Em casa

O moinho, o caminho para o rio, o poço, os cavalos, as vacas e o trigo. Os baldes rachados cheios de tomates vermelho vivos, os boiões com as tampas bem apertadas cheios de legumes em pickles para o inverno. O estreito rio Severski Don, que alinha os campos todos, que empurra a Rússia contra a Ucrânia, que mantém o mapa unido, da mesma maneira que o meu bisavô Nikolaj cose os casacos com agulha e linha. O vento nas velas do moinho, as meninas do komsomol na praça central da aldeia. Dançam. De braço dado mantêm-se em equilíbrio inclinando o corpo para o lado e elevam-se do chão exatamente com a...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Lisa Weeda

Os Pandas de Ueno

Desde que as crianças nasceram, ou talvez desde que eu me inscrevera nas redes sociais, ou ainda desde que o trabalho me obrigava a comunicar de forma clara e atrevida, a fazer no fundo referência a coisas conhecidas, em vez de as inventar, dividia o meu tempo em tempo verdadeiro, ou seja, aquele que podia relatar a mim mesma na minha língua verdadeira, e tempo falso, ou aquele em que tinha de falar por categorias, segundo códigos ou por emulação de atitudes. Lia nos romances acerca de homens tenazes e voluntariosos que se levantavam às quatro da manhã, tomavam duches frios, e às seis já esta...
Translated from IT to PT by Vasco Gato
Written in IT by Arianna Giorgia Bonazzi

Dicionário do Recluso

O Dicionário do Recluso encerra as vozes e as histórias de homens que se encontram detidos na cadeia de Turim, Estabelecimento Prisional Lorusso e Cutugno, Ala V do Pavilhão C, destinada aos “presos protegidos”. Nasce de um laboratório de escrita realizado no interior da prisão durante dois anos. Todos nós sabemos o que querem dizer “casa”, “inverno”, “amor”, e o seu significado é absoluto. Mas na cadeia o significado das palavras muda, e essa mudança nasce do espaço: lá dentro só existe o dentro, e as palavras tornam-se pré-históricas. Quer isto dizer que é como se estivessem paradas num tem...
Translated from IT to PT by Vasco Gato
Written in IT by Sara Micello

Trilogia do sexo errante

Diante do portão da tia Nicoleta havia muita gente vinda para acompanhar o tio Titi no seu último caminho, o tio Titi que, embora gostasse da pinga, era gente boa, alegre, grande azar para a sua mulher, gente nova, nunca se sabe o que Deus traz, mas a sua mulher cuidou dele, todos os dias lhe punha uma compressa fria na testa, e até o levou a todos os médicos, e olhe que até neste momento, o faz com muito esplendor, vide o caixão de que madeira boa, bordo parece-me, e como trouxe mulheres para cozinhar durante três dias para o banquete de despedida, e foi sozinha ter com o padre Cristea e bate...
Translated from RO to PT by Cristina Visan
Written in RO by Cristina Vremes

Diário de uma Portuguesa em Angola

Prólogo Durante anos a fio fui bombardeada com histórias acerca de Angola. Histórias extremistas de quem se apaixona ao primeiro segundo e se sente em casa neste país, ou de quem odeia e não se consegue adaptar. Histórias mirabolantes daquelas que parecem ser de ficção, porque há uma parte de nós que não acredita que possam ser verdade. Pensei sempre que exageravam bastante e, tal como o provérbio popular indicado para esta situação é de que quem conta um conto acrescenta um ponto, neste caso, acrescentavam vários. Durante anos andei indecisa sobre conhecer ou não este país tão místico. Hav...
Written in PT by Patrícia Patriarca

O reencontro

Já chega. Arrumei as malas, o fato na capa, a calçadeira de sapatos e entreguei a chave. Até casa tenho de conduzir durante seis horas, mas o caminho de regresso é mais curto. Abri a janela e, com a cabeça de fora, atravesso cada vez mais rápido a avenida principal da cidade. No fresco da noite e da velocidade, o ar corta-me a face e isso recorda-me a aspereza da esponja desmaquilhante. Tenho uma tez sensível e não suporto com facilidade o tratamento que os apresentadores do noticiário têm de fazer para não se parecerem com uma lua cheia de brilho – é-lhes aplicada uma camada de base em pó, qu...
Translated from RO to PT by Cristina Visan
Written in RO by Alexandru Potcoavă

Sempre vivemos nesta aldeia

Mudámos de pele. Digo-o a mim mesma em frente ao espelho de água que o tanque nos proporciona. Já não existem vacas na aldeia, pelo que este bebedouro é nosso, como quase tudo o que nos rodeia. Nosso e de ninguém. Património das que resistem e residem. A minha filha, que tem restos de lama e folhas secas no cabelo, agarra-se ao meu corpo como um animalzinho. Há muito tempo que não usamos o carrinho de bebé porque os caminhos de pedra estragam-no e os meus músculos habituaram-se a ela, ao seu peso e aos seus contornos, adquirindo contornos novos, atléticos, impensáveis. Já não sou uma mulher ma...
Translated from ES to PT by Miguel Martins
Written in ES by Aixa De la Cruz Regúlez

Eu não era, mas agora sou. Sensível a qualquer mudança do tempo.

Lá do outro lado do canal levávamos na cara com o vento carregado de flocos de neve, mas depois de atravessar a ponte, já nesta margem, fica-se de costas ao vento, o que torna o processo todo um pouco mais agradável. Desta nova posição a paisagem pode ser contemplada com menos esforço, sem fechar os olhos. O canal ainda não está completamente congelado mas não tarda e o gelo fecha e cobre tudo, é questão de poucos dias. Não há nada a fazer. À primeira parecia ser uma miragem, mas logo se confirmou que havia lá, no meio do canal, um cisne a tentar passar abrindo sempre um caminho na superfície ...
Translated from SR to PT by Ilija Stevanovski
Written in SR by Marija Pavlović

Calcário

Ora, está visto que leva muito tempo para uma cabeça de chuveiro ficar entupida com calcário. Agora que me balanço aqui, com o tubo do chuveiro enrolado à volta do pescoço, meio pendurado no corredor, meio pendurado por cima das escadas, penso: se todos os meus amigos tivessem visto a casa de banho, tinham percebido logo. Se todos tivessem subido uma única vez ao andar de cima, como fez a Ema naquela tarde, teriam olhado para a cabeça de chuveiro, teriam aberto e fechado a torneira, teriam visto a divisória de vidro calcificada do duche, teriam reparado nos pelos da barba feita à pressa no lav...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Lisa Weeda