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Welcome to our publication platform! You can browse and search for stories and samples from all our writers. Thanks to our translators, each story is available in Czech, Dutch, Italian, Polish, Portuguese, Romanian, Serbian, Slovene and Spanish. Throughout the years, this platform is becoming a growing archive of European literature by the future generation of literary artists. We're sharing stories beyond barriers.

Elogio do Furacão

Apreciei sempre a violência do quotidiano: por exemplo, a de um copo que se parte na escuridão. Às vezes, pergunto-me se essa memória é realmente minha. Revivo a cena com uma alegria difícil de conter: o objeto que cai e se desintegra e se torna estrépito surdo e logo tumulto de vozes a meio da noite. A minha mãe carrega no interruptor para iluminar os vidros espalhados. A sua mão aberta no ar, por cima de mim. O som da bofetada que não se parece, de modo algum, com o som do vidro contra o chão e a sensação de compreender que tudo faz parte da cerimónia. A violência que principia com um copo e...
Translated from ES to PT by Miguel Martins
Written in ES by Alejandro Morellón Mariano

Diário de uma Portuguesa em Angola

Prólogo Durante anos a fio fui bombardeada com histórias acerca de Angola. Histórias extremistas de quem se apaixona ao primeiro segundo e se sente em casa neste país, ou de quem odeia e não se consegue adaptar. Histórias mirabolantes daquelas que parecem ser de ficção, porque há uma parte de nós que não acredita que possam ser verdade. Pensei sempre que exageravam bastante e, tal como o provérbio popular indicado para esta situação é de que quem conta um conto acrescenta um ponto, neste caso, acrescentavam vários. Durante anos andei indecisa sobre conhecer ou não este país tão místico. Hav...
Written in PT by Patrícia Patriarca

Mudar de ideias

A Maixa recomenda-me que pronuncie todas as sílabas, sem me armar em londrina, que não me alongue muito no enquadramento teórico, que experimente o equipamento informático antes de começar a defesa, que seja humilde, que tome nota das perguntas e sugestões do júri e que os convide para almoçar num restaurante de menu fixo. A June opina que isso do menu é muito foleiro e sugere-me um refeitório na faculdade, uma citação de Weber, meio Lexatin ao pequeno-almoço e dar-me boleia até Gasteiz. Aceito a bibliografia e o transporte. Saímos de Bilbau com a minha mãe, a minha prima e o meu namorado co...
Translated from ES to PT by Miguel Martins
Written in ES by Aixa De la Cruz Regúlez

A Aguardente que mata

DE LIVRO DE CONTOS: A AGUARDENTE QUE MATA DISCLAIMER: Os seguintes excertos são de um livro de contos composto por seis ciclos (Uma notícia incomum, As aves não sobrevoam os subúrbios, Os esboços do minibus, A aguardente que mata, Pela boca, Fizeram bem em bombardear-nos). Cada um dos ciclos contém cinco contos. Os contos condensam os protagonistas e os acontecimentos, e entrelaçam-se entre si no espaço.  CICLO AS AVES NÃO SOBREVOAM OS SUBÚRBIOS     As Casas da cultura nas terras pequenas foram todas convertidas em lojas. Em frente delas há sempre três ou quatro homens de chinelos abibas d...
Translated from SR to PT by Ilija Stevanovski
Written in SR by Ana Marija Grbic

Esmeralda da depressão

ESMERALDA Velas, em vez de candeeiros. Baldes, em vez de bidés. Abortos acidentais, legais e com fartura. Era a Idade Média e dava-se mais um parto caseiro. Feliz, nasceu luz e tratava-se da primeira menina com olhos azuis. A primeira vez, nascidos na terra, por debaixo do céu celeste, oculares tons do que está por cima, e não por baixo. O primeiro milagre da estética, os olhos castanhos e/ou pretos do reino nunca tinham visto nada assim. A senhora veio à rua. Trazia hortaliças biológicas numa mão, o recém-nascido na outra. Queria chegar à Igreja para mostrar aquilo, talvez o padre soubess...
Written in PT by Luis Brito

Coisas que nunca mudam

E eu ainda era vazio de medo por ti, por isso punha a mão para cima, pedindo descendência da tua. E a tua mão lá descia, música de elevador, quente como paninhos, tinha veias como as esquinas das cobras que estão sempre caladas, roías as unhas até encolherem como conchas, e a tua mão lá descia descendência para se dar à minha e entrelaçávamo-nos por meio dessas minhocas que são os dedos. Coitado de ti. Antes disso, andaste comigo ao colo, gemias músicas de embalar a meio da noite quando também precisavas de ressonar. Limpaste-me o rabiosque várias vezes, tocaste com as minhocas nos meus cocós...
Written in PT by Luis Brito

Moça-Morte

Bloqueio da linha. O suicídio por estrangulamento é relativamente raro. Segundo a prática habitual, o garrote costuma ser enrolado mais vezes e até pode ser assente em algo macio. Durante o estrangulamento, a irritação do nervo vago e a compressão das artérias carótidas impedem o fluxo de sangue para o cérebro e fecham a circulação respiratória. É que a laringe pode não fechar completamente e por isso morrer assim leva mais tempo do que no caso do enforcamento - a menos que tudo resulte em apenas uma perda de consciência e o soltar do garrote. Ao contrário, o enforcamento tem sido desde há ...
Translated from CZ to PT by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Lucie Faulerová

PISK

Dia 28 de novembro de 2020, um mês depois do dia em que o politizado Tribunal Constitucional tornou o aborto ilegal na Polónia. Magda Dropek, uma das organizadoras dos protestos feministas em Cracóvia, escreveu no Facebook: “Durante estes anos em que apoiei as ações nas ruas tive a certeza de uma coisa: que não consigo gritar e clamar, que sou demasiado caótica para falar de maneira rápida e lógica, por isso, sempre me senti bem em transferir o que penso para o papel ou para o ecrã, escrever, comunicar sem usar a voz. Ainda por cima, a minha voz, detesto-a. Nas últimas semanas gritei como nun...
Translated from PL to PT by Katarzyna Ulma Lechner
Written in PL by Aleksandra Lipczak

Clarões

Numa coletânea de ensaios intitulada O Zen e a Arte da Escrita, Ray Bradbury escreve que, dos vinte e quatro aos trinta e seis anos, passou o tempo a anotar listas de substantivos. A lista dizia mais ou menos assim: O LAGO. A NOITE. OS GRILOS. A RAVINA. O SÓTÃO. O RÉS DO CHÃO. O ALÇAPÃO. A CRIANÇA. A MULTIDÃO. O COMBOIO NOTURNO. A SIRENE DOS NEVOEIROS. A FOICE. O CARNAVAL. O CARROSSEL. O ANÃO. O LABIRINTO DE ESPELHOS. O ESQUELETO. Ultimamente, aconteceu-me uma coisa semelhante. Vivi numa família que me proporcionou uma boa educação e uma boa forma de estar no mundo, mas ultimamente tenho pe...
Translated from IT to PT by Vasco Gato
Written in IT by Sara Micello

Diário da Vida

17     22 de dezembro de 2014. Diário da Vida     A aparência irreal da Praça de Espanha na fotografia impressionava com  magnificência da civilização anterior já despida do seu sentido. Para que é que uma potência colonial necessita de uma praça tão tamanha, concebida para as festividades de outrora, decorada com os nichos pretensiosamente dedicados cada um a uma província espanhola? As carruagens circulavam ao redor da fonte, oferecendo aos turistas uma amostra barata da pompa da nobreza antiga. Pelo menos não se veem os segways por aqui. Um cavalo aproveitou-se do descuido do cocheiro, ...
Translated from SR to PT by Ilija Stevanovski
Written in SR by Marija Pavlović

De regresso a casa

Quando voltam a entrar no carro, deixando a cidade, ele tenta desdramatizar dizendo que foi uma daquelas situações impossíveis, que designa por Que-farias-tu-se? Ela anui. — Essas situações não são o teu forte — comenta. — O que é que queres dizer com isso? Não sei que porra mais deveria ter feito? — Não digas asneiras. O Matteo repete tudo o que tu dizes. Alice dá uma espreitadela atrás de si. Matteo vai derreado na cadeirinha. — Podes dizer-me o que fiz de mal? — pergunta ele passado algum tempo. — Davide, perdeste as estribeiras, desataste aos murros ao vidro. Se não tivesse sido eu, ...
Translated from IT to PT by Vasco Gato
Written in IT by Fabrizio Allione

Empalhar um corpo

Debaixo da nossa pele há mundos inteiros. Se é que se pode confiar nas ilustrações. Às vezes não tenho a certeza. Agarro na minha clavícula. Fica toda espetada para fora quando encolho os ombros. Faço isso muitas vezes. A clavícula é um ossinho sólido mas fino. Podia parti-lo. Talvez não com as mãos nuas, mas se lhe desse uma pancada com um objeto pesado, com aquela estátua de pedra maciça, por exemplo... Aí era de certeza. Não é preciso muito para acabar com tudo. Basta engasgarmo-nos uma vez e já está. Para onde é que vão os bocados de comida que entram no canal errado? Além das amígdalas pe...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Nikki Dekker

Um carro da Grécia antiga

Era um dia quente de junho. Só que não se dizia junho, mas antes Thargelion ou Skirophorion. As duas figuras saíram das muralhas de Atenas e, em amena conversa, dirigiram-se, ao longo do rio Ilissus para o campo. Falavam sobretudo de amor. O mais novo dos dois, o jovem, levava consigo uma transcrição do discurso de outra pessoa sobre o amor ser o mal, e ele até acreditava nisso. Na verdade, ele falava apenas desse discurso de outra pessoa. O homem mais velho discordou com ele mentalmente, mas deixou-se levar pela paixão do jovem. E assim pararam debaixo de um grande plátano onde o mais velh...
Translated from CZ to PT by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Ondrej Macl

Expedição do fogo de artifício

Eis uma passagem do primeiro capítulo "Reunindo forças para a fuga", da novela-reportagem “Expedição ao fogo de artifício”, ou “A respeito da União Europeia e dos jovens”, a qual será publicada ainda este ano pela Editora Petr Štengl. (...) Por falta de experiência, entrei no clube logo após a abertura, quando a malta estava ainda apenas ganhando ânimo nos bares vizinhos. Até agora, só os efeitos de luz deambulavam pelo chão deserto, e o techno-set introdutório do DJ lembrava mais os mantras de um monge budista do que qualquer coisa satânica. Pelo reflexo húmido do chão, era óbvio que meia ho...
Translated from CZ to PT by Stepanka Lichtblau
Written in CZ by Ondrej Macl

O zumbido

No comboio, na última parte da viagem, tinha visto pela janela pegajosa as bordas do céu. Levantou-se para ver também do outro lado da carruagem e aproximou-se do homem adormecido com a cara escondida atrás do cortinado e com a mão direita firmemente pousada na pequena mala de viagem, que estava no assento ao lado. Sim, da sua janela via-se o mesmo. Um cobertor compacto, azul índigo, num plano paralelo ao campo extenso, cheio de molhos secos. E na sua orla, um azul aberto e claro, como um mar afastado, suspenso entre o céu e a terra. Por cima da camada índigo, estava sol. Quando se levantou,...
Translated from RO to PT by Cristina Visan
Written in RO by Lavinia Braniște

Trilogia do sexo errante

Diante do portão da tia Nicoleta havia muita gente vinda para acompanhar o tio Titi no seu último caminho, o tio Titi que, embora gostasse da pinga, era gente boa, alegre, grande azar para a sua mulher, gente nova, nunca se sabe o que Deus traz, mas a sua mulher cuidou dele, todos os dias lhe punha uma compressa fria na testa, e até o levou a todos os médicos, e olhe que até neste momento, o faz com muito esplendor, vide o caixão de que madeira boa, bordo parece-me, e como trouxe mulheres para cozinhar durante três dias para o banquete de despedida, e foi sozinha ter com o padre Cristea e bate...
Translated from RO to PT by Cristina Visan
Written in RO by Cristina Vremes

Calcário

Ora, está visto que leva muito tempo para uma cabeça de chuveiro ficar entupida com calcário. Agora que me balanço aqui, com o tubo do chuveiro enrolado à volta do pescoço, meio pendurado no corredor, meio pendurado por cima das escadas, penso: se todos os meus amigos tivessem visto a casa de banho, tinham percebido logo. Se todos tivessem subido uma única vez ao andar de cima, como fez a Ema naquela tarde, teriam olhado para a cabeça de chuveiro, teriam aberto e fechado a torneira, teriam visto a divisória de vidro calcificada do duche, teriam reparado nos pelos da barba feita à pressa no lav...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Lisa Weeda

Em casa

O moinho, o caminho para o rio, o poço, os cavalos, as vacas e o trigo. Os baldes rachados cheios de tomates vermelho vivos, os boiões com as tampas bem apertadas cheios de legumes em pickles para o inverno. O estreito rio Severski Don, que alinha os campos todos, que empurra a Rússia contra a Ucrânia, que mantém o mapa unido, da mesma maneira que o meu bisavô Nikolaj cose os casacos com agulha e linha. O vento nas velas do moinho, as meninas do komsomol na praça central da aldeia. Dançam. De braço dado mantêm-se em equilíbrio inclinando o corpo para o lado e elevam-se do chão exatamente com a...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Lisa Weeda

Fios

A procura não começa de forma consciente. Sinto-me ligada a ela de uma forma perturbadora, inexplicável, e o seu desaparecimento deixa-me sozinha frente às minhas interrogações. Ao acordar pergunto-me onde dormirá e como vive e continuo a pensar nela, masturbando-me doce e suavemente entre os lençóis enquanto olho para as nuvens pela janela basculante. Quando passo pelas barracas de fruta no nosso bairro, vou tocando nas laranjas com as pontas dos dedos, até que encontro uma que me lembra a sua pele, uma com os poros perfeitos. Aterrei nas suas aulas de yoga devido às minhas constantes dores ...
Translated from NL to PT by Lut Caenen
Written in NL by Hannah Roels

Dicionário do Recluso

O Dicionário do Recluso encerra as vozes e as histórias de homens que se encontram detidos na cadeia de Turim, Estabelecimento Prisional Lorusso e Cutugno, Ala V do Pavilhão C, destinada aos “presos protegidos”. Nasce de um laboratório de escrita realizado no interior da prisão durante dois anos. Todos nós sabemos o que querem dizer “casa”, “inverno”, “amor”, e o seu significado é absoluto. Mas na cadeia o significado das palavras muda, e essa mudança nasce do espaço: lá dentro só existe o dentro, e as palavras tornam-se pré-históricas. Quer isto dizer que é como se estivessem paradas num tem...
Translated from IT to PT by Vasco Gato
Written in IT by Sara Micello